PANC é punk

O nome do livro é Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANC) no Brasil. Assim, com acrônimo e tudo. Tem muita folha, mas também tem flor, tem frutas, diversos palmitos que não são de palmeiras, berries brasileiros legítimos, verduras com gosto de cogumelo, legumes, sementes. Todas são plantas que servem para comer, mas nem todo mundo sabe que são comestíveis, ou nem todo mundo muito conhece como acontece com alface ou tomate.

A partir dele passei a identificar plantas nas ruas, nas feiras, em jardins e nos quintais de amigos. Usei esse livro também para conversar com feirantes e agricultores sobre algumas plantas que tinha interesse que eles trouxessem para mim. Já tive acesso a muitos ingredientes diferentes, com sabores diversos, e gosto de brincar dizendo que um dia eu ainda vou provar de um tudo que está ali.

Nem sempre essas plantas tem um nome muito claro; variam de região pra região do Brasil. E, na maioria das vezes, são chamados mato, inço, praga, daninhas. Sem nome próprio, mas o sabor, esse é único. Este livro é um catálogo de tesouros.

PANC?

O termo é criação do autor, mas foi acolhido pela academia e web afora. Outros termos poderiam ter sido escolhidos — como “Hortaliças tradicionais”, “Ervas comestíveis espontâneas”, “Plantas alimentícias alternativas” — mas nenhum deles traduz totalmente o conceito. Afinal, há mais que hortaliças ou ervas (frutas, flores, legumes também fazem parte); também não são uma alternativa, mas sim um acréscimo de sabores; e tradição é um conceito meio difícil de definir, vago. É por isso que PANC acabou ficando.

O livro que carrega esse nome é resultado da pesquisa de doutorado do Prof. Valdely Ferreira Knupp, pela UFRGS. É uma edição muito bem trabalhada, daquelas que a gente vê o carinho em cada página. Valeu cada centavo meu. Tem 768 páginas em couché brilhante — aquele papel bom — , colorido e cheio de fotos. Em cada conjunto de duas páginas, você encontra um tipo diferente de planta, uma descrição e as fotos dessa planta em detalhe. As fotos são muito bem feitas, e há sempre mais de uma, o que faz com que você realmente consiga identificar as plantas comentadas. Já emprestei este livro para uma agricultora orgânica da minha cidade e foi o que mais chamou a atenção dela: ela conseguia efetivamente ir olhando e identificando as espécies com clareza, e por isso se interessou em ter um livro desses também.

caruru e livro sobre PANC
Um molho de caruru e sua respectiva página no livro: ajuda a identificar

Se na primeira página ele identifica a planta, a segunda trata de ensinar como prepará-la. Afinal, o livro é um catálogo de plantas comestíveis — então temos que saber como comê-las. São três sugestões de receitas para cada planta, e as receitas também recebem cada uma a sua foto. Isso é importante porque como elas não são convencionais, não são ingredientes que estamos a preparar todo dia. Mas para mim, as receitas são só um ponto de partida pra me aventurar na prova. Me dão uma vaga noção de como usar aquilo e o resto é comigo. Eu adoro esse espaço criativo (e detesto livro de receita)! E essa história de me dar liberdade individual me leva pra essa ideia do título…

Punk?

A primeira vez que vi a brincadeira de que PANC é punk (tão óbvia, e tão genial) foi no blog Matos de Comer. O Guilherme Ranieri, que é quem escreve por lá, organizou uma espécie de festa gastronômica em SP com esse nome. PANC tem um quê de punk, e não é só a sonoridade. PANC são punks porque carregam em si uma independência maior das empresas que ditam o que se planta através da venda de sementes — eu diria que elas são anticapitalistas por natureza. São sabores menos globalizados. Comer PANC é uma forma de rebeldia aos sabores convencionados como os que eu deveria comer. E sem essa imposição do que está nos supermercados, abre-se um leque gigante de novas delícias.

E não é só isso. Se há outra coisa que essas plantas tem em comum com a cultura punk é o modo como elas se propagam. Elas são o ápice culinário doDo It Yourself”: Grow by themselves. Crescem por elas mesmas, espontâneas, a despeito da ordem que você quer dar pro seu jardim. PANC são livres, não aceitam nossa imposição de cultivos, não se conformam com nossa autoridade. PANC é aquela planta que teima em nascer no seu vaso de manjericão. E que podem ser surpreendentemente gostosas também.

Outras PANC podem não crescer sozinhas, mas são espontaneamente passadas entre vizinhos, amigos, agricultores, e é assim que se propagam num determinado lugar. Não se vendem: se dão, se trocam com o grupo. Não vejo nome mais apropriado para isso do que cultura: aquilo que se cultiva ao longo do tempo entre um grupo de pessoas e que se incorpora como hábito. E é uma cultura dupla: de plantas e de costumes.

Comer PANC também pede a quebra de um bocado de ideias cristalizadas. Pessoas mais velhas as vezes as desprezam porque as associam com “comida de pobre”, de tempos da roça onde não havia mais nada pra comer. Como se fosse pecado gostar do que dá no seu quintal. Pessoas mais novas, por outro lado, torcem o nariz porque são desconhecidas, e estão muito longe do gosto globalizado que a indústria — alimentar e agrícola — nos oferece. Como se fosse pecado gostar do que dá no seu quintal. Que coincidência.

Por isso, Plantas Alimentícias Não-convencionais (PANC) no Brasil é um livro um bocado iconoclasta. E isso por si  já é um deleite. Lógico, ele não tem poderes mágicos: quebrar preconceitos depende muito da gente mesmo. Ter coragem de experimentar é uma estratégia pra fazer essa mágica acontecer. Pra mim, o livro funciona como um mapa, um jeito de me fazer entrar na brincadeira. E do pouco que provei  deu pra perceber: nesse mato tem delícia.

Tem várias receitas sem ovos no próprio manual (a maioria dos pães é, tirando pães ricos – tipo rosca). E na internet vc acha mais receitas também.
E invariavelmente depois de um tempo ela vai dar um defeito de vazamento que vc vai ter que comprar uma forma nova rs (juro)

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