Não espere a razão ou habilidade certa para cozinhar

Uma vez eu achei uma receita de um pão de cebola com missô que parecia muito simples de ser feita, apesar de me sentir intimidada com a sova. Eu fiquei com vontade de fazer, mas como nunca tinha tentado fazer pão, e pão sempre me parecia uma coisa difícil de se fazer, eu deixei pra lá.

Muito tempo depois, quando eu já tinha aprendido a fazer pão, eu me lembrei daquela receita perdida, e resolvi tentar, agora já mais segura de que aquilo ali podia dar certo.

Fui confiante tentar a receita, mas quando fui fazer deu tudo errado. Apesar de ter ficado com um gosto muito bom, o pão embatumou, não cresceu quase nada. Eu nem sabia muito bem dizer o que tinha dado errado. Precisei criar mais coragem e tentar outra vez, até que desse certo.

Fiquei pensando sobre todo o tempo que esperei pra ter as habilidades e o conhecimento necessário pra me “atrever” a fazer aquele pão. E que mesmo assim, aquilo não tinha sido suficiente pra produzir algo perfeito. Todo o atraso na minha tentativa se resumia às minhas expectativas. Eu esperava que fazer pão ia ser uma tarefa difícil, e por isso tinha deixado de tentar. Não tinha certeza de que eu tinha habilidade suficiente pra experimentar, e por isso, não tentava. Tinha medo de que o pão não desse certo, e isso me fez desistir. E quando criei coragem real, nem o fracasso da primeira tentativa me fez desistir daquela receita. Eu continuei fazendo até que fiquei satisfeita.

Nós não precisamos de nenhuma razão concreta pra tentar fazer as coisas, nem na cozinha, e nem na vida. Gastamos muito tempo tentando ter certeza de que tudo dará certo, de que temos as razões e as habilidades certas que vão garantir que o resultado será bom. Mas a verdade é que não existe nenhuma garantia. Nem receita, nem balança, nem termômetro. Essas coisas só servem pra nos dar uma sensação de segurança, mas mesmo cercados de todas elas, estamos sempre sujeitos ao fracasso. Não temos controle de nada.

Acho que qualquer um que já seguiu uma receita sabe do que eu estou falando.

Escrevi numa das minhas newsletters que cozinhar nunca é sobre fazer o melhor prato. Cozinhar é sempre sobre nós mesmos e como nos colocamos nesse mundo. Digo isso porque apesar de tentarem nos convencer do contrário, a graça de cozinhar nunca está exatamente no resultado. Comida gostosa é só uma consequência do qual a gente nunca vai ter inteiro controle. O gesto de fazer comida, no entanto, é libertador: nos damos conta de que o que importa não é o que sai das nossas cozinhas, mas as nossas tentativas, erros, ousadias, e acertos. O que importa é sentir-se livre pra fazer.

Você não precisa de razões para tentar. Não perca tempo procurando as razões. Faça, simplesmente porque você pode. Apenas faça. Não importa se é porque você acha que ficará bom, ou que dará certo. Não gaste tempo pensando se você vai gostar, ou se os outros vão gostar. Tempo nenhum fará você ter mais certeza de que o resultado será favorável pra você. Você não precisa se concentrar nos resultados pra ter coragem de tentar. A vontade de fazer é suficiente pra que você tente.

Esse movimento começa pequeno, dentro das nossas cozinhas, mas é uma atitude que depois de experimentada nos faz pensar sobre as outras coisas que não tentamos no mundo. Tudo bem sentir medo de que seu prato não vai ficar bom, ou um pouco de vergonha do que sair de lá. Mas se você não tentar, realmente você não vai sentir vergonha, nem medo, mas também não vai ter a oportunidade de estar lá fazendo, rindo e experimentando.