Geleia de pêssego e pessegada

Ganhei duas sacolas imensas de pêssego. Havia muito tempo que eu não ganhava frutas assim, de época, de quem tem quintal, sítio, e árvores frutíferas.

Nunca tinha ganhado pêssegos, de modo que nunca precisei saber o que fazer com muitos deles.

A primeira ideia que tive foi de fazer uma geleia, porque já fiz geleia de outras frutas e sabia que o processo era o mesmo pra todas. A fórmula é sempre a mesma: o peso das frutas + 1/2 do peso das frutas em açúcar e suco de limão caso a fruta não seja rica em pectina, que é o agente espessante natural pra dar o ponto de geleia.

Descasquei os pêssegos, e fui com carinho colocando cada um deles em uma vasilha com água com meio limão espremido — que é pra não deixar que os pêssegos escureçam enquanto descascava. Pesei os pêssegos — eu tinha 1,5kg, assim, limpos — , e pesei em seguida 700g de açúcar (a metade do peso das frutas). Levei tudo pra panela espremendo mais meio limão. Alguns cravinhos juntos do cozido pra dar um aroma interessante valem a pena.

O líquido no fogo aos poucos engrossou, e a gotinha que tirei com a colher da panela caiu num pires sem se espalhar, e tive certeza que minhas frutas tinham virado geleia.

Mas como acontece com quem tem quintal, eram muitos os pêssegos. E resolvi então fazer uma pessegada.

Joguei no google, e achei essa receita:

2 kg de pêssegos sem os caroços
1 kg de açúcar

Modo de fazer:

Depois de pelados e sem caroços é que se pesa. Aferventar para tirar o amargo. Trocar a água e deixar cozinhar. Quando estiverem cozidos, escorrer a água. Em seguida passar na peneira de taquara. Levar ao fogo junto com o açúcar e tomar o ponto da seguinte maneira: tirar um pouco na ponta da faca e deixar esfriar. Bater nas costas da mão. Se não pegar, está bom para despejar em caixetas forradas com papel manteiga.

O blog se chamava Quitandas de Minas, e mineira que sou, achei por bem tomar isso como um sinal dos céus. Segui a receita da Tia Cecy, de Entre Rios de Minas, não sem antes dar minha modificada. Embora eu tenha mesmo uma peneira de taquara que a receita adverte que eu deveria usar, a minha é um enfeite muito amado, comprado no mercado central de BH, e que fica pendurado na parede da sala. Assim, acabei usando um passe-vite, um instrumento manual que se usa pra amassar legumes e fazer sopa, e estava resolvida. Apreciei especialmente as instruções da receita sobre o ponto da pessegada – é basicamente o que diferencia da geleia -, e fiquei muito sorridente quando enfiei a faca no doce que ferveu por horas no fogão e o ele não se soltou da faca nas costas da minha mão.

Virei tudo improvisadamente numa forma de bambu japonesa forrada previamente com papel manteiga, que via de regra só uso pra cozinhar legumes ao estilo oriental. Achei bonito. Parei, tirei uma fotografia. Joguei no twitter.

Ainda não cortei o doce, mas desde então não sai da minha cabeça o blog aleatório em que confiei pra fazer essa pessegada.

Eu me furto muitas e muitas vezes de escrever receitas, modos de fazer, ou mesmo histórias sobre comida simplesmente porque julgo que quem lê pode enxergar nessa escrita uma coisa menor, pequena. Talvez nem achem que falar de comida, ou escrever histórias de receitas é escrita. E aí pensei nesse blog, tão aleatório, e assim mesmo tão relevante pra mim naquele dia. Pensei na Rosaly Senra, que foi quem transcreveu a receita da Tia Cecy pra esse mundão de minha internet. Me dei conta do quanto aquela receita de pessegada se parecia com uma mensagem numa garrafa jogada ao mar, escrita assim, despretensiosamente, como quem envia beijos, desejos, pedidos de socorro ou saudades mar afora, e espera quem a encontre. Ou não se espera nada, apenas que a garrafa flutue e navegue pelas águas.

Senti uma vontade súbita de agradecer pelas mensagens na garrafa que encontro mundo afora. E de soltar algumas outras mensagens por aí. Não sei quem apanhará, apenas acredito que vai existir alguém por aí que não vai ficar indiferente ao que registrei. Alguém que vai achar que receitas podem ser formas bonitas de escritas, que cozinha não é assunto menor, e que o cotidiano é tão significante e insignificante ao mesmo tempo, como somos todos nós.