O nome que a gente dá pras coisas

Durante o trajeto de ida da viagem, enquanto olhávamos a paisagem passando pelas janelas do carro, falamos um bom tempo sobre como em cada lugar damos nomes diferentes a uma mesma coisa. Uma plantação de bergamota em Minas Gerais não existe: é plantação de mexerica. Um potreiro no sul se transforma num pasto no sudeste. E tá vendo ali aquele jipão? Pois ele é fogão de lenha, construído de alvenaria, porque os de ferro que são mais comuns no sul nem se encontram mais pra cima.

Essas curiosidades me faziam pensar sobre a quantidade de pequenas dobras linguísticas que acabo sendo obrigada a fazer por morar em outro lugar. São pequenas, quase sempre invisíveis, e parecem mera curiosidade, motivo de riso, mas também são lembranças do quanto estou fora do meu lugar. Dobre a língua, menina, antes de falar.

Tirei essa foto dos limões em BH, no Mercado Central, como mais uma lembrança dos tortuosos caminhos das palavras. Em BH, esse limãozinho é difícil de encontrar. Certo mesmo, que eu soubesse, só no Mercado Central, mas as vezes via em feiras, as vezes ele aparecia vindo de algum sítio.  Eu ouvia chamarem que nem mostra a placa, de capeta, e sempre me fazia pensar que esse limão era mais ácido que o outro, aquele verde que a gente achava em qualquer lugar.

Aqui no interior do Paraná chamam ele de “limão”. Assim, sem nenhum adjetivo, porque ele é besta, comum, quase todo mundo tem um pé no quintal. Adjetivo quem merece são os outros, mais raros e por isso mais ilustres.

Andei perguntando no twitter que nome as pessoas davam a esse limão e adorei as respostas que apareceram: limão rosa, que descreve bem a cor laranja-rosado da casca; limão cravo, e acho um nome muito bom, porque me fala do quanto ele é aromático; limão galego, que muita gente ficou em dúvida se era ou não certo, mas se tanta gente dá esse nome, certo fica sendo; e teve até quem me dissesse que no RS isso se chama limão gaúcho, e me fez achar graça do conhecido bairrismo (mineiro não pode falar muito pois também somos bem bairristas, então melhor eu ficar quieta).

Gosto de ficar olhando pra essas diferenças linguísticas porque elas dizem de jeitos diferentes de conceber e viver as coisas. Enfatizam alguma coisa em especial: a pungência, a cor, o aroma, a frequência ou o apreço pelo regionalismo.

Os motivos pra se nomear algo nunca são puramente linguísticos. Nas PANCs a gente percebe bem uma característica desse processo de dar nome às coisas. Se várias espécies consideradas PANC recebem nomes que terminam com “do mato”, “de anta”, “de macaco”, “de pobre” é porque carregam uma desvalorização em vista de outras plantas, mas que não condizem com a realidade dos seus sabores, texturas e cores.  A ênfase, como se vê, fica em outros aspectos. Nomear algo é uma ferramenta poderosa para ordenar e estruturar como percebemos o mundo.

Diferente do limão, os nomes de PANC não enchem os sentidos, mas sim nossa cabeça de desconfianças. Então, pra conhecer e falar do gosto, do cheiro, da riqueza ou do uso é preciso superar o destaque dado na frequência, na relação econômica e na vulgaridade que os nomes sugerem pra gente. Conhecer os nomes é bom, mas também engana. Nesses casos, é preciso botar o nomeado na mão, no nariz, na boca, no prato.