Como fazer kimchi, um fermentado apimentado coreano

Kimchi é daquelas coisas que faz minha mãe perguntar quando vem me visitar se não tem algo mais normal pra comer, mas que eu simplesmente adoro e como cotidianamente. Contam que é o prato típico mais tradicional da Coreia, e que acompanha quase todas as refeições. É um hábito tão arraigado que ainda é costume de algumas empresas coreanas pagar um bônus no outono aos seus funcionários para que eles possam comprar os ingredientes para fazer seu suprimento anual da conserva.

Experimentei kimchi fora de casa uma única vez, em um restaurante coreano em Foz do Iguaçu, mas foi depois de já ter me aventurado a fazer o meu em casa. Não ter experimentado previamente não foi um impeditivo para que tentasse fazer essa conserva. O que me guia não é exatamente uma autenticidade no sentido de algo que seja fiel ao que existe, mas um compromisso com encontrar um sabor que me diga algo. Processos artesanais são assim – seria ingênuo acreditar que existe “a” receita de kimchi na Coréia, porque uniformidade é um atributo apenas da indústria – , e é nessa singularidade que está o valor daquilo que fazemos em pequena escala.

É uma receita fácil, que não precisa de ingredientes exóticos, caros ou difíceis de serem encontrados, e que pode ser feito com os utensílios que você tiver à mão. Os vários temperos usados produzem um resultado bem diferente da média de fermentados de legumes que já preparei, e por isso é um dos preferidos. Se você gosta de sabores azedos, fortes e picantes, experimentar produzir o seu próprio kimchi é uma experiência altamente recomendável.

Separe por aí:

1 alcelga grande inteira
3 ou 4 rabanetes
3 ou 4 cenouras médias
2 ou 3 cebolas médias
3 ou 4 dentes de alho
3-4 pimentas chilis frescas (ou 6 dedos-de-moça, ou a pimenta que você tiver acesso, mesmo seca)
1 pedaço grande de gengibre (cerca de10cm)
3 colheres de sopa de semente de urucum socadas no pilão com um pingo de óleo de gergelim
4 colheres de sopa de sal marinho (preferencialmente não-iodado)
1l de água

kimchi
A cara final do kinchi

1. Pique em pedaços grandes a acelga e fatie todos os legumes finos. Como a quantidade é grande, pode ser usado o fatiador de um processador de alimentos, mas picar na mão não é nenhum problema.

2. Coloque tudo em um vidro grande, e à parte, dissolva 4 colheres de sal em 1 litro d’água. É importante prestar atenção no sal. Use sal marinho e não sal refinado, e caso você tenha acesso a um sal não-iodado é melhor ainda. O iodo é um inibidor do crescimento bacteriano e num processo de fermentação tudo o que você deseja é que haja crescimento bacteriano, por mais estranho que isto a princípio pareça. Porém, não ter à mão sal não-iodado não é impeditivo para fazer o kimchi, embora o crescimento possa ser dificultado, ou levar mais tempo. Não diminua a quantidade de sal, ela é importante pra manter a conserva crocante. Outra atenção a ser dispensada é com a água: o cloro é outro composto antibacteriano, e é adicionado a toda rede de tratamento de água por lei, mas água declorada é facilmente obtida naqueles filtros de barro. O filtro declorante de carvão ativado é vendido quase no mesmo preço do filtro comum. Se o seu ainda não é, vale ler sobre água declorada e prestar atenção na próxima compra.

kimchi fermentado
Os legumes do kimchi antes do processo de fermentação começar

3. Cubra os legumes no vidro com a água salgada;

4. Deixe essa mistura descansar por entre 8-24h. Os legumes deverão murchar e ficarão boiando sobre a água;

5. Escorra os legumes e descarte a salmoura;

6. Faça à parte o molho condimentado do kimchi: triture num pilão, processador ou no liquidificador as cebolas, o alho, gengibre, pimenta. Num pilão, você coloca as sementes de urucum com uma gotinha de óleo de gergelim e soca até ela virar uma pasta. A função principal do urucum neste preparo é dar um pouco mais de cor à preparação, sem que você precisa comprar goshugaru, um molho apimentado coreano que é usado pra fazer o kimchi. Como você vai fazer o tempero caseiro, não se preocupe que não altera o sabor. O urucum está ali só pela cor mesmo, e fica bem interessante.

7. Misture esta pasta com os legumes e retorne tudo para o vidro.

8. Com algum utensílio pesado, procure pressionar os legumes dentro do vidro, de modo que a água contida neles cubra a superfície dos legumes totalmente. Este é o segredo do kimchi e de qualquer fermentação. Bactérias nocivas não se desenvolvem em salmoura, este é um meio hostil pra elas. Apenas um tipo de bactérias cresce ali, e são as que precisamos pra transformação que queremos. Improvise esta etapa com o que estiver à mão. Como faço em um vidro grande, uso outro pote de vidro reaproveitado do tipo dos de palmito e encho ele com água. Isso é suficiente para fazer peso e manter os legumes submersos na salmoura. Você pode usar vidros, cerâmica e até uma pedra desde que os limpe adequadamente. Evite o plástico pois ficará cheiro.

Repolho fermentado
Uma pedra sabão que compõe um pilão grande que tenho pressionando o legume até que a água fique por cima. Na foto o legume é repolho e o fermentado é chucrute, mas é assim que se faz com o kimchi também.

9. Aguarde pelo menos 7 dias enquanto o seu kimchi fermenta. Pode demorar mais ou menos tempo, dependendo da temperatura que está aonde você mora. Quanto mais quente, mais rápido é o processo. O que vai te guiar é o olfato: quando o cheiro se tornar ácido mas atraente, está pronto. Quando pronto, ele não precisa ser refrigerado – embora nada impeça que você o faça para desacelerar o processo – e se conservará por meses. O kimchi evolui com o tempo, o que significa que seu sabor vai se alterando, e isso não é ruim. É um indício de que este é um alimento vivo, como a gente, que muda ao sabor do tempo. Experimente comer kimchi com arroz, legumes ao vapor ou baozi (aquele pãozinho oriental cozido no vapor)

Kimchi
O vidro pronto com kimchi. Aquele tanto de legumes depois de prensados ficaram no fundo. Repare no sistema improvisado para manter os legumes submersos na salmoura: um vidro dentro de outro vidro cheio de água