As feiras e seus achados

Se alguém me perguntasse qual a coisa mais relevante que experimentei na mudança de uma capital para uma cidade de menos de 100mil habitantes, eu falaria sobre a possibilidade de frequentar uma feira feita por agricultores (seria isso e também o trânsito, ah, que maravilha chegar em qualquer lugar em 5 minutos).

As feiras são lugares subestimados. Ir a uma feira, em qualquer cidade, não é sobre comprar legumes e verduras. É também sobre encontrar pessoas, conversar, desenvolver um olhar pras coisas que estão à sua volta. Dependendo do lugar da feira, é também tomar um solzinho, caminhar ao ar livre, ver as pessoas passarem.

Pra mim a feira também é sobre descobertas. Cada semana eu passo procurando coisas novas (ou perguntando por coisas que tenho curiosidade de conhecer).

Essa semana dei de cara com o Araticum. Ela me foi apresentada aqui assim, com esse nome, mas em Belo Horizonte eu conhecia uma outra fruta de nome araticum e ela era inconfundível: tinha uma cheiro muito característico e forte, pra mim era um pouco enjoativo.

Então, quando a feirante me deu esse nome eu sabia que estávamos falando de tipos diferentes de araticum. E isso é muito comum quando a gente fala de plantas alimentícias não-convencionais porque os nomes também não tem uma uniformidade. Eles refletem o caráter regional e informal que essas plantas ainda tem (e isso é bastante divertido).

Eu fiz o que costumo fazer: comprar, voltar pra casa e procurar nos meus livros ou na internet por descrições. Dessa vez, quem me ajudou a desvendar o mistério foi esse livro do Helton Muniz, um fruticultor-pesquisador-colecionador do interior de São Paulo, que é conhecido por ser o maior colecionador de frutas do Brasil.

Colecionando frutas Helton Muniz
Colecionando Frutas, livro do Helton Muniz

Eu já falei sobre o Helton em uma newsletter. Eu tive a oportunidade de conhecer a propriedade dele, e ser recebida com o maior carinho por lá. Era inverno, então não tinha tantas frutas pra serem provadas, mas a visita não era só pra provar. Eu queria muito entender como o Helton foi construindo tanto conhecimento.

Nesse livro do Helton estão listadas informações de 100 frutas diferentes, sendo a maioria delas nativas. Helton passou mais de 20 anos pesquisando, procurando, conhecendo, e esse livro é fruto de todo esse conhecimento que o Helton construiu autonomamente.

Existem outros livros do Helton – um deles, inclusive só sobre a família dos araticuns, as annonaceae. Ou seja, tem muitas frutinhas semelhantes por aí, mas cada uma com sua particularidade, e a maioria de nós nem sabe que existe.

No livro, ele frisa sobre o potencial dessas frutas. O Araticum do mato, se fosse cultivado, poderia ter a mesma qualidade das maças, peras e ameixas cultivadas na Europa, ele escreve. Se a pessoa escolher uma terra boa, a frutificação se dará mais rápido e o fruto de melhor sabor, e não duvido que se possa conseguir variedades melhores por meio de mudas e enxertos com fruta do conde (annonna scamosa) e condessa (annona reticulata).

O araticum do mato (rollinia sylvatica) é nativa do Brasil e se espalha pelo bioma de mata atlântica, com ocorrências desde o litoral de Pernambuco até o Rio Grande do Sul. Tem uma forma e sabor parecidos com as frutas dessa família, como as pinhas, araticum, fruta do conde (que são mais conhecidas): tem a polpa esbranquiçada, translúcida, de sabor doce, mas levemente azedinho. O tamanho das frutas, nessa espécie, é pequeno, e a polpa da fruta é bastante agarradinha à semente – a gente acaba tendo que fazer certo esforço pra chupar. As flores aparecem logo no início da primavera, e os frutos amadurecem de janeiro a abril.

O Helton produz, vende e despacha mudas de frutíferas incomuns pro Brasil inteiro. É um trabalho muito incrível de descrição, preservação e disseminação desse conhecimento. De uma forma diferente, é também o que fazem as feiras livres que existem espalhadas em cada cidade. E o mais importante: tanto o Helton quanto as feiras nos ensinam que esse trabalho de conhecer as coisas que existem não se esgotam, é uma riqueza pra ser cultivada por uma vida inteira.