Plantas comestíveis para se usar no Tanque ou Bacia de Evapotranspiração

Ter a oportunidade de construir uma casa não é uma experiência muito comum, e eu nunca havia sonhado que aconteceria comigo, mas aconteceu. Foram 2 anos de construção e acabo de me mudar no início desse mês.

Por ter construído minha casa, pude tentar fazer uma série de escolhas que me pareciam mais sustentáveis. Uma dessas escolhas que fiz foi de fazer o tratamento de parte do esgoto dentro da própria casa com um sistema da permacultura chamado Bacia ou Tanque de Evapotranspiração.

A ideia inicial, na verdade, era tratar todas os esgotos da casa no próprio lote. Pra isso, a primeira coisa que se faz é separar os encanamentos: o que provém das pias, chuveiros, máquina de lavar são as água cinzas. E o que vêm dos vasos sanitários são as águas negras.

O tratamento das águas cinzas teoricamente é menos custoso do que o das águas negras. No entanto, quando se vai fazer esse tipo de projeto que foge da média do que se está acostumado a fazer, você sempre pode esbarrar num problema: a falta de conhecimento e de mão de obra especializada – tanto para projetar, supervisionar quanto executar.

Por conta da falta de experiência das pessoas envolvidas, nosso projeto de tratamento das águas cinzas acabou se tornando um problema. Depois de já termos construído esse sistema, continuamos estudando por conta e levantamos algumas questões junto à equipe de engenheiros e arquitetos e vimos que o projeto não estava adequado. Tentamos salvá-lo contratando a consultoria de um engenheiro ambiental – que era de outra cidade muito distante e nem tinha como avaliar a projeto in loco – que nos desaconselhou a readequar o que estava sendo feito por conta da magnitude dos erros. Tomamos um prejuízo financeiro e nos vimos obrigados a desistir da ideia.

O projeto do tanque de tratamento das águas negras, no entanto, parecia adequado e seguimos com ele. E agora ele faz parte das práticas sustentáveis que tentamos implementar na construção da nossa casa.

tanque de evapotranspiração
Ainda na fase de construção. Aqui dá pra ver a alvenaria do tanque. que posteriormente foi completamente enterrado e ficou sobrando apenas as bordas. O cano que leva as águas negras até ele também aparece na lateral

Esse tanque de evapotranspiração consiste basicamente em uma caixa de alvenaria construída enterrada. Essa caixa é impermeabilizada, e recebe múltiplas camadas que podem variar conforme o projeto. O esgoto entra na caixa e fica depositado no fundo dela, num túnel feito de pneus usados. Lá esse composto sofre fermentação anaeróbia, depois passa por condensação, chegando até a superfície para ser aproveitado pelas plantas que devem obrigatoriamente ser plantadas naquele espaço. No lado de fora, fica aparente uma borda de alvenaria, que é pra evitar que as águas da chuva corram e fiquem presas no sistema.

A vantagem é que diferentemente de uma fossa sanitária comum, que contamina o lençol freático, o tanque de evapotranspiração não deixa que isso aconteça. E ele é especial porque aproveita os dejetos produzidos pra serem usados adubando plantas, tratando o esgoto e transformando-o em comida.

evapotranspiracao
Um diagrama mostrando o sistema de evapotranspiração que construímos e estamos utilizando na nossa casa. Além dos pneus usados, também são aproveitados na construção dele cacos de cerâmicas dos tijolos e telhas que acabam sobrando da obra. Imagem daqui

Comumente são usadas plantas que tem uma necessidade hídrica muito alta, já que você vai ter um efluxo grande de água dos vasos. A mais comum de ser indicada pra uso é a bananeira, pois ela pode beber até 80l água por dia quando adulta. Isso é um volume imenso. Pra se ter ideia, isso é menos do que o volume de água usados na descarga em um dia numa casa com 2 pessoas.

Quanto mais água uma bananeira tem acesso, maiores serão as bananas que ela conseguirá produzir. Em ambientes mais secos, a bananeira também sobrevive, mas a produção com certeza vai ficar aquém. Então a bananeira com certeza vai gostar desse ambiente.

Como queremos ter uma diversidade de plantas, decidimos testar outras espécies com afinidade com ambientes úmidos nesse ecossistema. Nós não sabemos ainda como elas se comportarão ali, mas pretendo fazer outras postagens pra mostrar a evolução, as mudanças que forem necessárias e a produção. Por hora achei interessante registrar nossas escolhas pois são plantas consideradas comestíveis não convencionais, que toleram solos encharcados, e esse tipo de planta é muito específico e a informação nem sempre é simples de encontrar.

tanque de evapotranspiração
Nosso tanque de evapotranspiração com as espécies escolhidas, da direita para a esquerda: ingá-feijão, buriti, jabuticaba, e banana

Um cuidado que é preciso ter na escolha das plantas: algumas espécies cuja parte comestível é enterrada ou rasteiras não devem ser usadas nesse tipo de tanque (caso você queira mesmo comê-las). Apesar do sistema ser feito para que a fermentação trate o resíduo dos sanitários, a possibilidade de contaminação deve ser considerada pois todo sistema está sujeito à falhas. Plantas como a taioba e o mangarito seriam escolhas excelentes pra compor esse ecossistema – são plantas de alagados, que produzem especialmente em áreas muito úmidas – mas você não vai poder comer as batatas e folhas dessas plantas. Melhor deixar para outro lugar.

De toda forma, fica o registro e o porquê das nossas escolhas de plantas comestíveis de ambientes úmidos que estamos adotando inicialmente para o nosso tanque de evapotranspiração. Todas elas são consideradas PANC:

Ingá Feijão (Ingá marginata Willd.) – O Ingá feijão é uma planta típica de matas ciliares e beiras de rio nativa em grande parte do território brasileiro, e é indicado para recuperação de áreas degradadas. É um tipo de feijão de árvore como o feijão andu (ou gandu), que é muito apreciado no nordeste do país e no norte de Minas. Os dois são da mesma família (Fabaceae) mas são espécies bem distintas. Como seu parente, também pode ter um uso paisagístico – a floração branca parece ser muito bonita – e também serve como barreira verde em propriedades orgânicas. Gosta de terrenos alagados, muito úmidos ou encharcados. As vagens que a planta produz possui sementes adocicadas e comestíveis. Ainda não conheço, mas não vejo a hora de provar.

Buriti (Mauritia flexuosa L) – O buriti é uma palmeira que gosta de terrenos pantanosos e por conta disso um nome comum que ela é chamada é palmeira do brejo. Pode chegar até 35 metros de altura e sua ocorrência natural é mais comum no cerrado e nos estados do pará, maranhão e piauí. A existência de uma palmeira de buriti é um indício certo de que naquele local existe água – justamente porque ela só cresce nesse tipo de lugar. As flores surgem em forma de cacho no início do verão (dezembro), e os frutos aparecem até o final de junho. Uma particularidade é que pra frutificar o buriti precisa de mais de um exemplar próximo para ser polinizado. A semente oval e a amêndoa que aparecem nos cachos são comestíveis. A polpa de sabor azedo é consumida na forma de doces, sorvetes, suco ou vinho de buriti.

Jabuticaba (Myrciaria cauliflora) – A jabuticabeira é uma árvore frutífera brasileiríssima, nativa da mata atlântica. É outra planta que gosta muito de água, e que precisa dela pra frutificar bem. Uma jabuticabeira que não é irrigada, por exemplo, produz apenas uma vez no ano. Já uma jabuticabeira que recebe irrigação ou vive em terreno muito úmido tem um potencial muito grande para frutificar pelo menos 2 vezes no ano. Por isso estamos apostando que a jabuticabeira poderá gostar do ecossistema do tanque de evapotranspiração.