Como fazer uma espiral ou mandala de ervas

Um jardim comestível não precisa apenas ser útil, mas também bonito. E inteligente. Eu sei que a primeira coisa que vêm à cabeça é um monte de quadrados com fileiras de plantas – que a gente chama de horta – mas isso é porque estamos acostumados a pensar sempre do mesmo jeito.

O meu carnaval esse ano, agora que acabei de construir minha casa, foi montar uma espiral ou mandala de ervas no quintal. Ela é uma espécie de canteiro elevado em formato de espiral, feito com tijolos sem argamassa, bem simples.

Eu já tinha visto dele sendo montado em vídeo, e sempre me atraiu muito. Primeiramente porque formas circulares são consideradas sagradas, e muito encontradas na natureza. Mas a mandala não é só beleza ou misticismo. É também técnica. Vem do conhecimento da permacultura, que usa o ambiente natural a seu favor. A espiral é pensada pra criar diferentes condições climáticas para plantas que não poderiam conviver facilmente num mesmo terreno plano. Por exemplo: alecrim gosta de solo seco e sol pleno. Salsa é mais delicada e gosta de pouco sol direto e muita umidade. A espiral permite que essas ervas convivam e faz isso só prestando atenção no movimento do sol e no escoamento natural da água.

O vídeo, junto com o esse post, ajuda bem a a entender a montagem. Vale assistir

Na nossa mandala, começamos fazendo um esboço com uma corda, pra entender como ficaria confortável pra gente alcançar o centro. Somos bem grandes (tenho 1,75m, marido tem 1,92) e o desenho ficou com um diâmetro de 1,5m. Os manuais de permacultura recomendam medidas de diâmetro entre 1,6 e 1m, e o interessante é adaptar para o seu tamanho e espaço.

uma corda no chão fazendo o formato da espiral, e eu ajustando o tamanho de cada uma das pistas
Planejamento da espiral de ervas: marcação no chão com uma corda

Pra esse tamanho, gastamos 220 tijolos maciços ao todo. Foram feitas 5 carreiras, que deixou uma altura que achamos bonita e confortável.

Começamos levantando as paredes e criando uma camada de drenagem no fundo usando brita, material que já tínhamos por aqui. Também é uma particularidade de onde estamos: aqui chove muito, não tem uma estação seca pois há regularidade e abundância de chuvas. Além disso a espiral está na parte mais baixa do terreno, o que favorece que a água desça praquele espaço, facilitando que ele fique sempre úmido. Controlar a umidade no meu caso era importante. Cada um precisa avaliar sua situação.

espiral de ervas montagem
O detalhe da da camada de brita no fundo da mandala, pra drenagem da água
espiral de ervas drenagem
A circunferência do centro, que é feita posterior à mais de fora, colocamos ainda outra camada de brita. As plantas do centro são as que mais precisam de drenagem

Com a mandala executada, vem a parte de posicionar as plantas. Você precisa além de conhecer um pouco das preferências de cada uma das ervas que escolher entender como se movimenta o sol no terreno. E quanto à umidade, a lógica da mandala é quanto mais em cima, menor a umidade. A parte de baixo é pra onde a água escoa e portanto sempre tenderá a ficar mais úmido.

Aqui no hemisfério sul, a face norte é sempre a mais ensolarada e por onde o sol caminha, nascendo no leste e se ponto do oeste. Então as ervas mais solarengas ficam no norte e as mais delicadas no sul. O leste e o oeste comportam as intermediárias.

espiraldeervas
O gato pequi ajudando a entender como o sol se movimenta no gif que fiz no instagram

Se você tiver dificuldade de achar o norte do seu terreno só observando, e quiser também entender como a inclinação do sol vai mudar conforme as estações do ano, a dica é usar o site/app SunCalc. Ele pega uma foto da sua rua e terreno no google earth e faz essa projeção, facilitando que você visualize como vai ficar a disposição dos cardeais na sua espiral, e também mostra a angulação do sol nas estações. Aí o seu trabalho será mais de entender se árvores, muros, prédios e outras edificações estão nesse trajeto do sol, fazendo alguma sombra nos diferentes estágios.

No centro da espiral ficam as plantas que precisam de muito sol e pouca água, pois é a parte mais elevada, portanto seca. Alecrim, sálvia, falso curry (Helichrysum italicum) e tomilho são boas pedidas. O alecrim no centrão é quase obrigatório, pois é uma planta de porte maior que acaba ajudando a fazer sombra pra face sul da espiral.

Na face sul, que tomará menos sol, colocam-se as plantas mais delicadas e que desejam menos sol. Hortelã (tomando o cuidado de enterrar a muda com o vaso pra não deixar que se alastre), poejo (particularmente melindroso, posicione num lugar bem à sombra), salsão ou aipo, salsa (essa última obrigatoriamente no anel mais baixo pois precisa de mais umidade).

Na face norte/oeste, que tomará bastante sol especialmente na parte da tarde, colocam-se as plantas que também apreciam sol mas que gostam de um pouco mais de umidade, já que agora que o centrão foi ocupado, elas precisarão ficar no anel mais baixo. Orégano, manjericões de vários tipos, pimentas e arruda são boas pedidas.

Na face sul/leste, que tende a pegar bem o sol da manhã mas eventualmente perder o sol da tarde, colocam-se as plantas de tolerância de sol intermediárias. Cominho, endro (que vale a pena controlar cortando pra não ficar grande demais), melissa, coentro, verbena (ou lúcia lima), nirá ficarão bem distribuídas nessa área.

Algumas dicas importantes: 1. antes de começar a plantar, posicione suas mudas sobre a terra pra entender como vai ficar a disposição. Só comece a cavar depois que você escolher o lugar de todas as plantas. E não deixe o canteiro muito vazio. Procure, na medida do possível, mudas grandes e vistosas pra facilitar entender o espaço que cada planta vai precisar. 2. Se vai usar a terra do seu terreno e ela não é muito rica em material orgânico, considere colocar algum composto comprado ou obtido da sua própria composteira ao menos na parte onde as raízes vão e em volta na superfície da planta. Isso é suficiente pra ajudar a mantê-las fortes.

espiral de ervas
Aqui as ervas já plantadas, e numa fotografia mais próxima pra ficar mais claro a disposição. Na minha, não encontrei todas as plantas que queria adultas, por isso separei um espaço e semeei algumas coisas para posterior transplante.

Ficou com dúvida? Vale também dar uma olhada nos stories que fiz no Instagram do OutraCozinha com a montagem da espiral.

ERVAS NÃO CONVENCIONAIS (PANC): ONDE ELAS ENTRAM?

Há pelo menos dois temperos que tenho muito interesse e que são considerados não convencionais, mas que não coloquei na mandala: buva e erva baleeira. A erva baleeira, com seu cheiro que lembra caldo de galinha ou curry, não vale a pena colocar na mandala por conta do seu porte arbustivo. O mesmo acontece, por exemplo, com o conhecido louro, que ficaria grande demais pra essa estrutura e comprometeria a ensolação das demais.

Já a buva o problema é que é uma erva altamente invasora. Diferente do hortelã, que limitando o crescimento das raízes você controla a planta, na buva o problema é a produção de sementes e proliferação de novas plantas, que chegam a sufocar as demais. A buva, apesar dos seu gostinho maravilhoso de pitanga, é uma das ervas espontâneas mais difíceis de se controlar nas lavouras de soja, sendo resistente até a agrotóxicos (que claro, nunca pensaria em utilizar, mas esse fato ajuda a sentir o potencial da planta). Melhor não arriscar e deixar pra plantar em outros cantos.