How to do nothing e a poesia da atenção

É comum ouvir alguém contar que chorou lendo um livro, mas geralmente eles são de ficção. No entanto, quando terminei de ler How to do Nothing não conseguia me segurar de chorar. E embora ele não seja de ficção, fiquei muito tocada pela forma um pouco poética com que Jenny Odell me fez pensar sobre algumas coisas muito difíceis do nosso momento no mundo.

How to do nothing é um grande ensaio sobre a atenção, que faz críticas importantes contra o capitalismo e a produtividade. Ele parte da observação de como a atenção é um recurso disputado nas redes sociais, que são todas desenhadas pra que a gente nunca saia delas, pra depois pensar mais largamente sobre o que é estar atenta no mundo.

Achei de um sabor muito especial – e me senti tão contemplada – com ela contando sobre a sua experiência de aprender a dar nome e conhecer pássaros à sua volta.

Ela conta que começou fazendo isso com um app que a ajudava a nomear pássaros, e tinha uma espécie de check list dos exemplares que você já tinha visto. No começo ela queria completar esse check list, mas aos poucos foi percebendo nuances na presença dos pássaros que a lista não dava conta. Começou a fazer correlações com o cantar deles e a hora do dia em que eles apareciam; depois percebeu que os pássaros eram vistos só em determinadas épocas e outras não; percebeu que alguns estavam sempre em companhia de outros. Chegou mesmo a fazer amizade com dois corvos que passaram a visitá-la na sacada.

Isso não tinha nada a ver com ser uma grande conhecedora de pássaros, mas dizia de uma relação muito específica que ela estabeleceu com esses bichos e com o seu entorno.

Vejo muitas semelhanças com o processo de conhecer plantas. No começo podemos achar que PANC é sobre amplificar sabores e experimentar ingredientes mas isso é o check list, quase uma competição anônima de quem sabe mais. Depois você passa a ser capaz de observar a época em que essas plantas aparecem e desaparecem, o tipo de lugar em que elas brotam, as plantas que aparecem em conjunto, os tipos de predadores e insetos que visitam essas plantas e muitas outras coisas assim. São sutilezas que nenhum livro, blog ou perfil no instagram vai dar conta inteiramente de oferecer como experiência porque este é um processo irremediavelmente pessoal de descobertas e de se sentir parte do seu entorno.

Dar conta dessas coisas passa por perceber o que está de fato à sua volta. Eu gosto sempre de lembrar isso quando escrevo. Pessoas que estão falando e mostrando PANC – como eu – são mais uma inspiração do que uma referência do que você deve experimentar. A graça verdadeira é descobrir a abundância do seu entorno, do micro mesmo. E esse é um trabalho que só você pode fazer porque não é só um simples mapeamento. É um processo em que você precisa estar presente e inteiro.

Não basta apenas parar e passar a observar. Por entender que a atenção é um recurso limitado e disputado, Odell consegue evitar argumentos simplistas, como dizer que é preciso que cada um de nós pare de gastar tanto tempo nas redes, ou mesmo tenha que sair delas. Em vez disso, ela observa que no capitalismo cada vez menos temos possibilidades de recusa. São esses trabalhos que fazemos sem remuneração porque achamos que precisamos aceitar pra conseguirmos outros depois; é a uberização das atividades, e os empregos tão mal-pagos que cheiram mesmo à escravidão moderna.

Porém, essa dificuldade de recusa também aparece em outros mecanismos, como as redes sociais. Fazer parte das redes sociais tem um valor. Elas são construídas pra explorar nossa necessidade de validação social, mas também são nelas que muita gente encontra sociabilidade, trabalho, e renda. O número de seguidores é tão importante porque indica um tipo de capital social, uma rede de apoio que temos disponível. Uma pessoa que pode se negar a ter um perfil numa rede social, ou mesmo decidir usar menos ou muito pouco é uma pessoa que já tem algum tipo de capital pra bancar essa escolha (seja esse capital social ou financeiro). Então a solução pro nosso vício das telas não é tão simples e individualista como os conselhos de largue o seu celular sugerem; é muito mais complexo conseguir achar esse equilíbrio.

A resposta que Jenny Odell tenta dar a essa questão caminha muito mais no sentido de se fazer perguntas sobre produtividade, já que temos uma visão muito estreita do que significa produzir e do que vale alguma riqueza no mundo que a gente vive. Precisamos ser capazes de enxergar utilidade e inutilidade de um jeito muito diferente; e isso envolve sermos capazes de valorizar cotidianamente outras coisas. A emoção no lugar da racionalidade, a contemplação em vez da pressa, o prazer no lugar do sacrifício, a demolição no lugar do que está construído.

Ao contrário do que o título do livro sugere, não se trata de uma mera recusa que se parece com não fazermos nada, pois há muito a ser feito. Só que pra alguns esse “fazer” causa estranhamento.

Inspirado por um lote abandonado cheio de mato, um fazendeiro japonês chamado Masanobu Fukuoka escreveu ainda em 1978 um livro sobre seu método de cultivo, que ele batizou de “agricultura do fazer nada”. O seu método faz uso das relações que já existem na terra. Em vez de inundar um campo e semear com arroz na primavera, ele joga as sementes ainda no outono, como elas naturalmente teriam caído. No lugar de fertilizantes convencionais, ele deixa crescer uma camada de trevinhos e deita as sobras dos caules por cima da terra. O seu método parte de uma observação muito meticulosa de como a natureza funciona pra operar em conjunto com ela, como parte dela e não uma coisa do lado de fora.

Mesmo nas redes sociais podemos ter uma postura mais reparativa. Eu penso bastante sobre como posso usar as minhas redes. Nos meus espaços escrevo coisas com o coração, quando tenho algo a dizer, e não com uma expectativa de cliques. Contorno como posso o algoritmo, não clico e nem dou visibilidade a coisas negativas porque o pânico nos outros não me parece algo que gostaria de gerar. E sou bastante crítica sobre a natureza pública daquilo que falo.

Mas ainda que faça isso, não me esqueço que o modelo da natureza é o da interdependência, da generosidade e da abundância. É preciso olhar que cada um de nós é uma força dentro do conjunto. Alguns, como Fukuoka, vão ser capazes de observar propor formas mais integrativas de lidar com a produção de comida. Outros vão dar conta de melhorar nossa relação com as coisas que descartamos. Por certo alguns vão entender as relações entre a natureza, as mulheres, a raça e como as desigualdades também impactam no nosso modo de se relacionar com a terra. Outros vão saber pensar no uso das redes e contar novas histórias. As novas respostas sobre utilidade também passam por reconhecermos que nós não somos deuses ou máquinas, apenas precisamos ser capazes de reconhecer que somos parte.

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