O causo do alecrim que era lavanda

Encontrei uma vez uma mudinha na floricultura, na parte de ervas aromáticas comestíveis, que estavam vendendo com o nome de rosmaninho. Estranhei um pouco o nome, porque é muito próximo do nome científico do alecrim, Rosmarinus oficinalis, mas não é exato. E aquela plantinha era parecida com alecrim mas claramente era um bocado diferente dele. As folhas eram de um verde mais claro e acinzentado, um pouco mais compridas e largas, dispostas no caule de forma mais densa do que o alecrim, e ela tinha um cheiro de alecrim, mas ao mesmo tempo também me lembrava um pouco a lavanda.

Levei pra casa três mudinhas, pouco preocupada com o nome e muito interessada em conhecer o sabor.

O crescimento dela era bastante lento. Aos poucos ela ganhou volume e eu fui cuidar de ver que efeito ela fazia na cozinha.

Essa foto é de 2017, quando comprei o rosmaninho. A foto, obviamente, não era da planta e sim da gata Farofa, mas a ervinha participa e está desfocada aí em primeiro plano

Curiosamente, a planta que tinha cheiro entre alecrim e lavanda, quando colocada em algum preparado que ia ao fogo, ganhava um cheiro adicional que lembrava mesmo era canela. Aquela planta era uma incógnita, mas uma incógnita adorável, que eu localizava entre especiaria e erva fina. A ciabatta assada com o rosmaninho em volume fazendo as vezes de recheio virou um dos preferidos da casa, pra comer com mel.

O tempo passou, em algum momento acabei me descuidando e perdendo essa planta, mas quando me mudei do apartamento pra casa acabei por sorte me encontrando novamente com ela na mesma floricultura. Trouxe-a pra instalar na minha espiral de ervas. Coloquei próxima ao alecrim porque, afinal, com esse nome de “rosmaninho” ela devia ser um cultivar de alecrim e portanto, devia requerer as mesmas condições que o dito cujo.

Minha mandala de ervas. O alecrim, no centro da mandala, e entre a sálvia (que nessa foto está escondida atrás da arruda) e os tomilhos, estão os rosmaninhos bem destacados, com suas folhas azul acinzentadas

Nunca mais tinha pensado sobre o assunto até que um comentário no tuiter acientalmente me fez ficar com a pulga atrás da orelha. Eu estava explicando sobre como no sul não existe manjericão bonito nos dias frios do outono/inverno e isso não é culpa de quem cultiva. o supermercado nos acostumou a pensar que tem tudo o tempo todo, mas isso não é real. Os ciclos das plantas existem e manjericão é uma erva particularmente sensível ao frio das geadas dessa região – e por isso, a planta sente e pode até mesmo chegar a morrer. O causo é que por causa disso uma pessoa veio me contar do alecrim perdido como quem finalmente encontrou uma explicação de porquê que o seu alecrim havia morrido, mas eu sabia que não era o caso, pois ao contrário do manjericão, o resistente alecrim se comportaria de forma muito diferente.

Antes de responder a moça, resolvi checar uma coisinha sobre o ciclo da planta – joguei alecrim no google, só pra não falar uma besteira – e me deparei com uma lista de diferentes cultivares de alecrim. Respondi a moça, e de noite, procurando distrações relaxantes antes de dormir, me lembrei da lista e comecei a checar cada um dos cultivares pra descobrir afinal qual seria aquele do meu velho rosmaninho.

Passei um por um, procurei ainda por outros e qual não foi a surpresa de descobrir que ele não se parecia com nenhum. Era tão óbvio que eu não precisava nem olhar a planta enquanto via fotos e procurava as descrições das chaves botânicas – que é o que costumo fazer.

O famigerado Rosmaninho

Mas aí nesse ponto eu não podia mais desistir. Segui estudando até que cheguei na informação de que havia uma certa planta que as vezes recebia o nome popular de rosmaninho: era a Lavandula stoechas.

Nativo da região do mediterrâneo, ela é uma erva muito comum (leia-se mato) em Portugal, Espanha, Algeria, Marrocos e Tunísia, mas também é vista na Itália, Grécia e França. Recebe diferentes nomes mundo afora – lavanda francesa, lavanda espanhola, lavanda italiana, e particularmente em Portugal é rosmaninho. Todo esse tempo o tal rosmaninho na verdade era uma lavanda.

Agora de posse da informação, fiz questão de colocar as plantas próximas e fiquei abismada de como essa ideia ainda não tinha me ocorrido de forma espontânea. É bastante evidente que o rosmaninho se parece muito mais com a lavanda (Lavadula dentata, a mais comum de ser cultivada por aqui) do que com o alecrim.

Da esquerda para a direita: Lavanda (Lavandula dentata), Rosmaninho (Lavandula stoechas) e Alecrim (Rosmarinus officinalis)

Por sorte, lavandas (de qualquer tipo) e alecrins gostam da mesma coisa: bastante sol e pouquinha água, de modo que ela está no melhor dos mundos na minha mandala. Ela ainda não floriu – essa nova muda ainda não completou um ano – mas depois de ver as fotos é claro que estou fazendo planos de multiplicar o achado em outras partes do quintal.

Findo o mistério, o alecrim que na verdade era uma lavanda segue sendo uma ótima erva comestível que venho usando, como de costume, ainda que eu não soubesse, de uma maneira criativa e um bocadinho inusitada.