Tudo o que não te contaram sobre fazer pão de queijo caseiro

Como boa mineira, pão de queijo é dessas coisas que fazem parte do meu dia-a-dia – qualquer reunião ou visita é motivo pra assar alguns e, de preferência, servir com um cafezinho. Mas se tem algo que morar em outro estado me ensinou é que em outros lugares pão de queijo não é algo tão comum assim, e nem sempre o que se tem disponível é muito bom. Foi assim que fui estudar e desenvolver melhor o meu método de fazer pão de queijo.

Receitas tem aos montes por aí. Além das que estão na internet, eu tenho a da minha avó, meu marido tem a da avó dele, e vez ou outra eu esbarro em algum tuite explicando como fazer. Muitas vezes as receitas são até parecidas, mas o que elas nunca trazem é o porquê de cada uma das coisas e o impacto que isso vai fazer no resultado final. Saber ler uma receita é muito melhor do que receber a dica infalível de um mineiro porque no final das contas nem tudo se resume a um certo e errado, comida também é uma questão daquilo que a gente gosta.

Então como costumo fazer por aqui, vou explicar a função de cada uma das coisas no pão de queijo pra que você tenha a liberdade de fazer as suas próprias escolhas. No final, dou a minha receita, pra você ter um parâmetro de por onde começar.

Um pacote de pão de queijo
Pacotinho de pão de queijo caseiro comprado em um lojinha pequena do Prado, em BH, que tem uma cozinha que dá pra ver eles fazendo. Essa é a primeira providência que eu tinha que fazer em cada vez que visitava Minas durante minha estada morando no Paraná
POLVILHO DOCE x POLVILHO AZEDO

A base do pão de queijo é o polvilho. Mas se você já jogou “receita de pão de queijo” no google e se deparou com um monte delas que só levava polvilho doce, outro tanto que só levava polvilho azedo, e algumas outras que levavam um tantinho de cada um deles, você deve ter ficado se perguntando quem é que tá certo. Mas a melhor pergunta a ser feita é: que diferença tem entre o polvilho doce e o polvilho azedo?

Todos dois são o amido puro da mandioca. O polvilho doce é feito ralando e batendo a mandioca com água, e em seguida separando com uma peneira a parte fibrosa da parte amilácea, que fica em suspensão na água. Isso é o processo caseiro, mas na indústria o processo é semelhante. Essa água com a fécula em suspensão é deixada então algumas horas pra decantar. A fécula é o que sobra no fundo depois que se escorre a água. É esse também o processo pra obter a goma que se faz a tapioca – fécula de mandioca e polvilho doce é a mesma coisa. A indústria é que tem uma especificação técnica, que inclusive é um pouco vaga, separando os dois processos.

Já o polvilho azedo é diferente. Depois desse processo que acabei de descrever, ele passa por fermentação. O amido é deixado descansando nessa água em que foi batido por um tempo e por isso fermenta. É isso que dá aquele cheiro e gosto característico do polvilho azedo, intenso e como o próprio nome diz, azedo, que lembra um pouco o sabor do queijo.

Escolher polvilho azedo e polvilho doce, como se pode imaginar, vai impactar no gosto final do pão de queijo. O azedo vai deixar ele mais saboroso, reforçar o gosto do queijo, enquanto o polvilho doce vai agradar quem prefere sutilezas e sabores mais suaves.

Mas não é só isso. O polvilho azedo e o polvilho doce tem características físicas diferentes, já que a fermentação altera a estrutura do amido, e isso influencia também na textura do pão de queijo.

O polvilho azedo é o que dá a característica crocante. Aquela casquinha durinha que o pão de queijo tem logo depois de sair do forno é resultado do polvilho azedo. Isso porque o polvilho azedo, com o escaldar, é o que expande, faz crescer e gelatinifica. Já o polvilho doce confere maciez. É ele quem faz aquele miolinho esponjoso e almofadado que costuma ser muito desejável num pão de queijo.

Então escolher quanto polvilho doce e azedo vai na receita é uma questão de ajuste de preferência.

Se você fizer pão de queijo usando só polvilho azedo, ele vai ficar com uma aroma e sabor bem intensos, tenderá a crescer bem, mas pode ficar com o miolo oco e a casquinha dura demais. Pão de queijo só de polvilho azedo também é do tipo que não fica bem dormido: ainda que ele tenha ficado legal logo depois que sai do forno, no outro dia ele vai ter virado uma verdadeira pedra.

Se você fizer pão de queijo só com polvilho doce, ele vai tender a ficar inteiro macio, mas sem bolhas largas no miolo – ele vai virar uma goma achatada, talvez um pouco barrachudo, sem formar uma casquinha crocante. Vai ter um sabor mais suave que pode agradar a alguns paladares, e é um pão de queijo bom pra comer dormido, porque vai seguir macio no dia seguinte.

Uma mistura entre os dois tipos de polvilho pra fazer pão de queijo pode ser feita em qualquer proporção (por exemplo, 30% azedo + 70% doce, ou 50% de cada um deles) e vai desenvolver características intermediárias às que descrevi. É uma questão de você ir experimentando e ver o que combina mais com o seu gosto. O meu eu costumo fazer 60% azedo e 40% doce, mas isso não significa que essa seja a resposta correta. Esse é só o meu gosto.

ESCALDAR O POLVILHO

Essa é uma etapa que algumas receitas pedem – nem todas – e que nem sempre as pessoas são rigorosas em seguir porque nem todo mundo entende se é importante assim mesmo ou pra quê serve.

Escaldar é jogar líquido quente (o leite, a água e a gordura, que pode ser óleo ou também manteiga) sobre a fécula. Escaldar o polvilho serve pra fazer com que o amido gelatinifique, ou seja, que ele desenvolva essa característica esponjosa com bolhas grandes do miolo.

Mas nem todo polvilho precisa ser escaldado. Isso é mais importante pro polvilho azedo, por conta das características dele. Por isso que nem toda receita pede isso, mas quase nunca elas deixam claro que essa é a razão.

Quando for fazer seu pão de queijo, você pode, por exemplo, colocar primeiro o polvilho azedo e escaldar, depois completando com o doce. Ou também misturar os dois polvilhos e escaldar juntos. Experimente usar a mão pra misturar o escaldado e testar a quantidade de fire resistance com que você veio equipado – o negócio fica quente!

Pães de queijo que levam creme de leite como gordura já começam em desvantagem porque ele não serve pra escaldar. E o teor de gordura é menor do que o do óleo, de modo que embora essas receitas até dêem certo, meu conselho é que você evite se for possível.

Se você por algum motivo deseja evitar óleo vegetal, ou quer testar uma versão diferente, minha sugestão é substituí-lo por manteiga. Use a mesma quantidade que você usaria de óleo, e use a manteiga igualmente pra escaldar. Apesar de ser uma opção mais cara, o sabor e a textura que resultam vale muito a pena, principalmente se você estiver num dia inspirado a brincar um pouco de fazer experiências na cozinha.

Escaldando o polvilho
Não pule essa importante etapa de escaldar o polvilho
LEITE E SORO DE LEITE

Isso que eu vou contar agora dificilmente está em qualquer receita caseira, mas eu tenho motivos científicos pra compartilhar. Toda receita de pão de queijo leva leite – a função dele é estabilizar a massa e ajudar a reter a umidade. Mas se você for adepto de fazer seu própio iogurte ou a sua própria coalhada seca, você deve ter mais soro de leite guardado do que é capaz de usar.

Esse não é um problema exclusivo seu. A indústria de laticíneos tem esse mesmo problema. Não só por conta da colhada e do iogurte, mas principalmente por conta da produção de queijo.

Soro de leite é um subproduto abundante e de alto valor nutricional. Uma parte dele é comumente utilizada pra produzir ricota – parece estranho que a ricota saia daquele líquido translúcido, mas a ricota industrial costuma ser produzida assim. Mas ainda assim o que resta é volumoso, e costuma ser descartado em esgotos ou rios, e por isso se torna um poluente significativo.

Por conta disso, é possível encontrar artigos científicos que tantam dar uma finalidade pra esse subproduto e diminuir o problema. Um dos que já topei por aí é sobre o uso do soro de leite no fabrico do pão de queijo. Ele passa muito bem nos testes sensoriais, e é uma forma interessante de diminuir o problema.

Tudo bem que a sua coalhada seca caseira não vai ser um responsável sério pela eutrofização dos rios, mas achei que era curioso o suficiente compartilhar essa realidade e essa alternativa.

Soro de leite pode ser aproveitado
Esse líquido translúcido na vasilha é o soro de leite, que foi obtido fazendo iogurte ou coalhada seca

O GRANDE SEGREDO: O QUEIJO

Esse talvez seja o conselho mais óbvio e também o mais controverso pra quem não é de Minas, mas que não poderia faltar. Um bom pão de queijo leva muito queijo, não pode ter economia.

Esse, aliás, costuma ser a maior diferença dos pães de queijo caseiros pros pães de queijo industrializados. Nos industrializados muitas vezes o que é o usado é somente o “aroma natural de queijo”, ou uma quantidade muito pequena de queijo de fato – algo como 2%. Eles são práticos, mas o pão de queijo caseiro é outra história.

O ideal é usar queijo canastra meia cura, mas como pessoa que morou tanto tempo fora de Minas, sei como pode ser difícil ou caro de encontrar. Queijo Minas padrão não é o ideal – o gosto é muito suave, a textura também é mais borrachenta – mas na falta de outros é uma opção honesta, especialmente se usado com um toque de parmesão ou montanhês pra acentuar o sabor. Também dá pra fazer com queijos da família semidura (a mesma do canastra) como queijo prato, Gouda ou Flamengo (em Portugal) combinado com o parmesão. A mussarela em combinação com o parmesão também pode ser considerada, embora por ser um queijo macio de massa cozida precise de um pouco de cuidado e ajuste na quantidade, que deve ser menor, pois o derretimento é muito diferente. Se algum mineiro te julgar, pode dizer que quem autorizou também era de Minas.

E quanto queijo? Bom, eu adoro as receitas antigas, que geralmente falam em “1 prato cheio de queijo”. Eu leio com uma licença poética, como quem diz “coloque queijo, minha filha, até ficar satisfeita”.

Queijo Minas, o grande segredo
Várias peças de queijo Canastra expostas num balcão do Mercado Central de BH
CONSISTÊNCIA

Essa é a parte mais difícil de ensinar, porque ela só se aprende mesmo com a prática. A massa de pão de queijo precisa ficar firme o suficiente pra que você faça bolinhas com as mãos e possa colocar na forma pra assar sem que elas se desmachem. Mas também tem que estar mole o suficiente pras bolinhas precisarem ser feitas com a mão levíssima. Se a massa crua estiver firme demais o pão de queijo ficará seco.

Quando você terminar de colocar todos os ingredientes, use a mão pra amassar. Essa é a melhor maneira de começar a reconhecer a textura. Mesmo numa receita muito precisa, e no caso de você estar usando xícaras medidoras ou balança pra separar os ingredientes (o que eu recomendo sempre), alguns fatores como o ponto de cura do queijo, a umidade relativa do ar ou se os dias estão chuvosos ou ensolarados em sequência podem interferir na consistência da massa crua. Nessas horas é que essa memória tátil vai ser útil. Se sentir que ficou firme demais e precisa de um pouco mais de líquidos, coloque, sem cerimônia.

Uma das coisas estranhas que fiquei conhecendo durante a minha temporada morando no sul é a tal da fôrma de pão de queijo: uma espécie de tabuleiro com espaços vazados, parecidos com o que se usa pra empada. Ela existe porque a massa de pão de queijo que eles costumam fazer fica líquida demais pra se transformar numa bola. A verdade é que a gente ainda não tem uma definição do pão de queijo como patrimônio imaterial (isso ainda é um processo em andamento), e por isso muitos modos de fazer diferentes são chamados de pão de queijo. Mas o que fazemos em Minas, onde o pão de queijo nasceu, é isso que estou explicando.

Eu detesto ser purista e geralmente abraço todo tipo de receita e particularidade de gosto, mas se a massa está líquida à ponto de precisar de uma forma especial, você não está colocando os ingredientes na proporção correta. E especialmente nesse caso quase sempre falta queijo, o que convenhamos, é um pouco estranho já que a gente tá falando de pão de queijo.

Agora que já expliquei como ler uma receita de pão de queijo, é hora de botar a mão na massa. Eu prefiro fazer uma quantidade grande e congelar um bocado deles crus, pra ter sempre um pouco pronto pra só colocar no forno. Por isso a receita pode parecer grande, mas é a melhor coisa. não se esqueça que Minas é fartura. E lembra que agora, que você sabe o que está fazendo no pão de queijo, que você pode adequar os ingredientes da receita pro seu gosto; se precisar mudar a quantidade vai ser moleza:

PÃO DE QUEIJO

600g de polvilho azedo
400g de polvilho doce
240ml (1 xíc) de leite
240ml (1 xíc) de água
240 ml (1 xíc) de óleo vegetal de soja, milho, girassol (ou a mesma quantidade de manteiga)
4 ovos
Cerca de 400 a 500g de queijo canastra/meia cura ralado (ou outro em substituição)
Sal à gosto

Hora de servir o pão de queijo
  1. Comece aquecendo os líquidos (o leite, a água e o óleo) pra escaldar o polvilho azedo. O ponto certo de aquecimento pra escaldar acontece quando a espuma do leite começa a aparecer por cima do óleo. Aí é só jogar no polvilho e mexer;
  2. Em seguida, coloque o polvilho doce e siga misturando;
  3. É hora de começar a colocar os ovos. Coloque um por um, e vá sentindo a temperatura gelada dos ovos em contrate com a massa quente escaldada. Perceba como os ovos vão devagarinho mudando a textura da massa crua. Misture bem até que fique uniforme;
  4. Chegou o momento mais importante: acrescentar o queijo. Vá incorporando aos poucos. Repare que enquanto você coloca o queijo, a massa vai progressivamente deixando de ser pegajosa pra ficar com uma consistência que não gruda tanto nas mãos;
  5. Sinta a textura final e acerte o ponto da massa, de forma que você consiga fazer facilmente bolinhas com as mãos. Se precisar de um pouco mais de líquidos pra chegar lá, acrescente água.
  6. Unte a mão com óleo e faça bolinhas do tamanho que mais te agradar. As grandes ficarão com mais miolo esponjoso, as pequenas são perfeitas pra servir em encontros;
  7. Disponha as bolinhas na fôrma, que não precisa estar untada – a receita já leva gordura suficiente.
  8. Se for congelar, pode levar pro congelador assim mesmo. Se for assar, pré-aqueça o forno em 180o. e asse por cerca de 25-30 minutos ou até morenar. Aproveite enquanto espera pra passar um cafezinho.

Durante 4 semanas, os posts do OutraCozinha farão parte do Estação Blogagem, proposta da Aline Valek e da Gabi Barbosa. O tema dessa semana é inspirado no naipe de ouros do tarô: Terra, trabalho, riqueza e todas as coisas concretas que podemos fazer com as mãos e botar no mundo.

Banner do estação blogagem