Vinagrete de cagaita verde

Uma salada com cagaita, a cara do OutraCozinha

Reparei uma árvore no horizonte que antes tava completamente pelada, e de repente ficou toda branca. Fui pro mato ver de pertinho do que se tratava. Era a florada da árvore de cagaita, fruta nativa do cerrado, que até então eu não conhecia pessoalmente.

Uma árvore de cagaita florida

Acompanhei por semanas a árvore se transformando de toda branca em vermelha, depois soltando as primeiras folhas ainda muito vermelhas, os frutos se desenvolvendo, as folhas ganhando tons mais verdes, até que a árvore se cobriu de bolinhas amarelas pouco maiores que uma azeitona azapa.

As primeiras folhas vermelhas da cagaita apontando apos a queda da florada

Quem já conviveu com alguma árvore frutífera de perto sabe que é impossível dar conta de todos os frutos. Sempre sobra bastante pra gente, mas também pra outros bichos e pra própria terra, já que o que a planta mais quer é lançar as sementes pra ver se nascem outras arvorezinhas.

mini cagaitas se desenvolvendo na árvore

Uma coisa que observei sobre a cagaita é que nem os pássaros ou insetos parecem se interessar pela fruta. Não consegui observar se os morcegos visitavam a árvore porque ela não fica tão próxima da minha casa. Mas o caso é que não se vê fruta meio comida, elas estão sempre inteiras.

colheita da cagaita

Minha amiga Marcela, que mantém o perfil Vale das Brumas, sobre um espaço físico que ela mantém dedicado à conservação do cerrado, encontrou num livro a informação de que alguns pequenos animais terrestres costumam se interessar pelas frutas. Neste outro material, por sinal muito bonito, produzido pela Embrapa, eles contam que macacos e saguis também comem a fruta, mas que há uma carência de informação sobre que outros animais fazem a dispersão das sementes. Sinal da desvalorização do bioma. E também de que aquela história popular de que se um pássaro não come uma fruta ela não deve servir pra comer não é parâmetro que a gente deva levar a sério.

Cagaitas maduras caídas no chão
O gatinho não come as cagaitas, mas com certeza outros animais devem se interessar

Além de ficar observando a árvore, tentei ser criativa e produzi uma diversidade de quitutes com as frutinhas. Uma parte descaroçei manualmente e bati, congelando como polpa pra usar em outras ocasiões. Fiz uma boa quantidade de geleia, bem lisa e delicada, com um sabor que lembra algo entre o pêssego e a uvaia, e a parte peneirada da casca e da polpa dessa geleia separei pra fazer um chutney. Pretendo ainda experimentar a geleia pra produzir alguns biscoitos casadinhos. Mas a grande estrela até agora, pra mim, foi uma vinagrete de cagaita.

A ideia veio da @morgannnda, que me acompanha no twitter, e que me sugeriu usar as frutas ainda verdes pra fazer salada. Assim que elas pareceram chegar no tamanho máximo, e algumas começaram a apontar uma ligeira coloração amarela, arranquei uma frutinha verde da árvore e experimentei ali em volta do pé mesmo. A polpa, que quando madura fica macia e suculenta, nas frutas verdes ainda está firme. O sabor é azedo, tem alguma coisa bem floral que desaparece nela madura. E apesar de verde, ela não é adstringente. Trouxe uma sacolinha pra brincar.

Os frutos verdes de cagaita colhidos

Pra fazer não tem muito segredo. Fiz como gosto de fazer vinagrete: pico muito miudinho todos os legumes – pimentão, tomate, cebola – e na ocasião juntei com os pedaços da fruta. Por cima, reguei com uma emulsão de limão com azeite. Apesar do nome desse molho ser vinagrete, não existe obrigatoriedade de se usar vinagre. O molho aceita outros ingredientes ácidos que fizerem mais sentindo na ocasião. A receita ficou assim:

Vinagrete de cagaita

10-12 cagaitas ainda verdes, sem caroço
10-12 tomatinhos cereja
1/2 pimentão na cor da sua preferência
1/2 cebola roxa

Para o molho

2 colheres de suco de limão
6 colheres de sopa de azeite
sal e pimenta do reino à gosto

  1. Parta as cagaitas ao meio e retire o caroço. Pique as frutas em pedacinhos miúdos;
  2. Pique os demais ingredientes em pedaços de tamanho similar. Quanto menores os pedaços, mais interessante é para ser usado como molho, pois distribui bem os sabores;
  3. À parte, faça a emulsão do molho. Misture o limão com o sal e pimenta do reino, e em seguida acrescente o azeite. Usando um fouet ou colocando em um pote bem fechado e agitando, bata até que os dois pareçam ganhar uma consistência cremosa e uniforme.
  4. Jogue o molho por cima dos legumes e frutas picados.
Frutos da cagaita ainda verdes no pé

Muita gente nas redes sociais me avisou pra tomar cuidado com a cagaita. É que esse nome engraçado dela é porque ela realmente solta o intestino, e é preciso ser cauteloso com a quantidade que se come. Até o nome científico da árvore também é marcado por essa situação – o nome é Eugenia dysenterica. Mas não é preciso ficar alarmado. Passei a temporada inteira da cagaita sem ter nenhum problema, comendo um pouquinho todo dia e cuidando de arrumar formas de aproveitar a fruta em outras estações.

Mas se acontecer, a própria árvore também oferece uma solução. As folhas, que se desenvolvem junto com as frutas, têm o efeito oposto. O chá delas é constipante, além de também poder ser usado como coadjuvante pra regularizar a glicemia em casos de diabetes. Uma árvore completa, tanto quanto acompanhar seu florescimento até as frutinhas chegarem no prato.

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