Como fazer (e se divertir fazendo) iogurte caseiro

Devia ter uns 15 anos quando tentei fazer iogurte pela primeira vez. Vi numa daquelas revistas de vendas tipo avon um pacotinho que prometia fazer iogurte caseiro e comprei. Talvez você já deva ter visto um desses por aí, senão numa revista, numa loja de produtos naturebas.

Foi um fracasso retumbante. Eu comprei uma caixinha de leite, coloquei numa panela, levei ao fogo. Do jeitinho que falava a instrução. Não rolou. No outro dia, eu tinha a mesma panela com um tanto de leite. E uma sensação de fracasso.

Nunca gostei muito de leite mesmo. Procurando aqui pela memória, não tenho a mínima ideia de porque havia me interessado em tentar fazer iogurte nessa época. E não tentei de novo, até uns meses atrás. Até tento consumir menos leite e derivados aqui em casa — e teve épocas muito bem sucedidas nesse intento. Mas quando a gente veio pro interior, a vaca foi pro brejo.

Passamos a ter acesso a leite cru, tirado no dia, orgânico, não pasteurizado, de produtores que tem poucas vacas, criadas soltas. Tem gosto de leite. Mesmo.

O fato é que acabei me animando de fazer umas experiências com o leite, mesmo não gostando muito. Pelo prazer da experiência. E o problema foi que acabei gostando. Não só da experiência, mas do leite também.

Meu ânimo com esse experimento de fazer iogurte em casa veio particularmente depois de ler Wild Fermentation. É um livro genial porque nos ensina a reconhecer nosso lado wild (selvagem); ou seja, sem frescura, sem complicação, equipamentos especiais, ou qualquer coisa do gênero. Alimentos fermentados tão aí desde que o mundo é mundo e não tinha nem eletricidade. O que importa é acreditar no processo e se divertir durante ele, esperando as coisas se transformarem.

A receita do livro é a que sigo:

Equipamentos necessários: 
uma panela
uma garrafa pet cheia de água quente

Ingredientes:
2 l de leite
2 col. sopa de iogurte (ou de soro de leite)

  1. Você começa colocando o leite na panela pra esquentar. Essa parte, aliás, é dispensável, especialmente se você vai usar leite de saquinho/caixinha (aliás, recomendo não usar leite de caixinha se você tiver qualquer outra opção. Há imensas controvérsias sobre ele por conta do processo de ultrapasteurização — UHT). Essa etapa serve para eliminar bactérias que estejam no leite, e que vão concorrer com os lactobacilos que você vai inocular. A etapa de esquentar o leite é dispensável também com o leite cru, mas você corre o risco do iogurte ficar menos firme, ou demorar mais pra chegar no ponto  porque vai haver essa concorrência de bactérias. Se você não fizer, ninguém vai morrer.

Você deve esquentar bem lento, no fogo mais baixo possível, até que pequenas bolhas comecem a se formar na parede da panela. Não deixe ferver, ninguém quer chorar o leite derramado.

Leite na panela, nata se formando em cima, bolhas na borda: elas são o sinal que você estava esperando

 

2. Deixe amornar naturalmente sobre o fogão. Vai levar cerca de 2h para isso acontecer. Quando o leite chegar a uma temperatura em que você consegue colocar o seu dedo e for suportável o calor, está na hora de colocar o iogurte. Se você gosta de tudo muito medido, e tem um termômetro, essa temperatura que o seu dedo vai conseguir ficar dentro do leite é em torno de 43–42º. Eu não tenho esse instrumento, e confio apenas no meu tato. Dá tudo certo também.

Porque colocamos o iogurte nessa hora? Porque essa é a temperatura ótima que os lactobacilos se reproduzem: eles gostam de estar em ambientes com temperatura entre 43º e 36º. Mais do que isso, eles podem morrer; menos, eles se reproduzem muito devagar.

Coloque as duas colheres de iogurte (ou quantas colheres forem, uma para cada litro de leite).

Se você colocar mais, não vai ser melhor, nem vai tornar o processo mais rápido. Aliás, pode haver mais competição e os lactobacilos se reproduzirem mais devagar. Então confie nessa quantidade: 1 colher de sopa por litro de leite.

3. Agora é só esperar. É bom reparar como está a temperatura do dia. Se estiver um dia quente, você pode realmente só esperar. Pode colocar a panela tampada num lugar quente (por exemplo, dentro do seu forno desligado). A mágica vai acontecer em umas 8h-12h. Se o dia está frio, pode ser necessário dar uma mão para a temperatura se manter constante na panela. Eu tenho um forno que consigo regular para ficar ligado com 40º. Posso deixá-lo ligado nessa temperatura, por exemplo. Mas isso não é necessário — eu só fiz isso no início, quando tinha medo da coisa não funcionar. Você pode encher garrafas pet com água bem quente, e colocar sua panela numa caixa de isopor, numa caixa térmica, ou algo do gênero. Não tem caixa térmica? Tudo bem. Pode colocar essas mesmas garrafas no forno, junto com a panela. Tem quem coloque uma coberta de lã em volta da panela, pra que ela perca o calor mais devagar. Pode parecer ridículo, mas dependendo da temperatura do dia é suficiente. E se funciona, eu não tenho nada contra. A criatividade é o que conta aqui. Use o que estiver à mão.

Também não precisa ficar muito desesperado com o tempo. O que acontece é que quanto mais o tempo passa, mais os lactobacilos irão consumir a lactose (açúcar do leite), e mais o iogurte vai ficar azedinho. Se você gosta do sabor azedo no iogurte, ou quer um teor menor de lactose, pode ser desejável mesmo deixar mais do que 8h. Isso é entre você e o seus lactobacilos.

Gosto de deixar essas 8h de espera à noite. É bem legal acordar e abrir a panela pra ver se deu certo. Eu já fiz um monte de vezes, e ainda acho uma coisa deliciosamente mágica. Cada vez que eu abro esboço um sorriso. É um pouco como a redenção pela vez, na adolescência, que tudo deu errado.

4. Esse iogurte, se você quiser, pode bater no liquidificador ou um mixer para ficar bem homogêneo. Ou com alguma fruta, se quiser que ele tenha algum sabor específico — nesse caso é melhor bater na hora, ou armazenar por pouco tempo. Pode colocar uma colher de mel, e misturar na mão mesmo antes de tomar. E é só. O iogurte puro dura uns bons 10–15 dias na geladeira. O gosto vai se tornando mais azedinho progressivamente.

5. Outra possibilidade é coar esse iogurte pra ele ficar muito cremoso. Dá um pouquinho a mais de trabalho, mas fica muito acima da média. Isso, aliás, é o iogurte grego ou labne. Não o que te vendem no supermercado, que é engrossado com amido, carragena, goma xantana, gelatina. Eles só não vendem assim como estou contando que faço porque, imagine, sai mais caro. Só tem leite, afinal.

Vire o iogurte que você acabou de fazer em uma peneira forrada com um pano de algodão, dos tipos que se fazem pano de prato. Na vasilha embaixo vai escorrer um líquido transparente: é o soro do leite. E em cima, vai ficar apenas o iogurte, muito muito cremoso. Ou ainda, se você deixar escorrer por bastante tempo em cima vai ter coalhada seca. É só deixar chegar na consistência correta e temperar com um pouquinho de sal e azeite à gosto.

A vasilha com um escorredor ou peneira; Na segunda foto, cobri a vasilha com o pano; e na última, o iogurte está no pano, escorrendo.

Só não se empolgue muito com o resultado e coma tudo. Guarde uma colher do seu iogurte pra fazer a próxima fornada. Daí você nem vai precisar recorrer ao supermercado pra comprar o iogurte da receita. Ou, se você se animou de tentar o iogurte grego, guarde o soro do leite. Ele é útil em outras receitas de pão, biscoito, bebidas fermentadas, e claro, na próxima fornada de iogurte como cultura láctica.

E porque anos atrás meu iogurte não deu certo? Eu não sei, pra falar a verdade. Não tem problema; eu não fico me corroendo pra entender. A verdade é que muita coisa dá errado na cozinha. A graça não está só no resultado: você tem de se divertir um pouco também no processo. E isso eu entendo toda vez que faço iogurte, ou quando divido com alguém como se faz.

Divirta-se!