
Vá plantar com a Sementeria

Por um mundo mais verde: esse é o mote do Sementeria, site de troca e doação de sementes criado pelo casal gaúcho Rosana Kunst e Thiago Locks. Uma ótima tanto pra quem não tem medo de botar a mão na terra e procura cultivos diferentes e raros, quanto pra dar um empurrão em quem está começando — mesmo que tenha aquele medo de matar todas as plantas.
O Sementeria ainda é novo — foi ao ar na primeira quinzena de fevereiro de 2016 — mas já tem possibilitado boas experiências. O funcionamento é muito simples: você cria um perfil, e coloca as sementes que você tem disponível: uma descrição, a foto da planta ou da semente, e se aceita somente troca ou se as doa. E está pronto.
Conversei com a Rosana Kunst, uma das desenvolvedoras do Sementeria. Segundo ela, de fevereiro até hoje já se inscreveram 1019 usuários e são 376 sementes cadastradas. A ideia surgiu a partir de uma disciplina de Linguagem de Programação Java que o Thiago, seu parceiro em uma empresa de TI e companheiro, cursava na faculdade de Sistemas para Internet:
“ele queria fazer algum projeto que fosse útil. Como sempre conversávamos muito sobre horta/orgânicos e sempre enfrentávamos problemas em conseguir sementes orgânicas, acabamos chegando nessa ideia. Nos inspiramos em algumas bibliotecas de sementes que lemos na internet que existem pelo mundo, mas nenhuma em específico. E só uma adendo: antes de lançarmos, Thiago refez todo o site em outra tecnologia porque não gostou de Java”, ela conta.
Apesar de ser muito jovem — são pouco mais de dois meses no ar — Rosana e Thiago estão animados com a continuidade da proposta: “já listamos diversas melhorias a serem feitas”, conta Rosana. “Para se ter uma ideia, a curto prazo temos 22 itens de melhorias previstos. Como o site é sem fins lucrativos, conseguimos mexer só em nosso tempo livre, então a coisa anda mais devagar do que gostaríamos. Mas a ideia é deixá-lo o mais autossuficiente possível”.
Experiência os dois tem de sobra. Além do Sementeria e da sociedade na Zira (uma pequena empresa de desenvolvimento web), Rosana também administra o site Como Fazer Horta.
A ideia do Sementeria é interessante porque possibilita algo que os agricultores sempre fizeram, mas que tem se tornado difícil no mundo contemporâneo: salvar as sementes para cultivo no ano seguinte, e trocar com os vizinhos do campo as variedades cultivadas. O mundo contemporâneo passou a ser dominado pela agroindústria, no qual há o predomínio de monoculturas, e muitas variedades acabam perdendo espaço. Nesse cenário, as sementes, de modo geral, são controladas por empresas gigantes que as patenteiam e vendem. E essas sementes não podem ser salvas para a próxima safra, seja por regulação estatal, ou porque as sementes não geram novas sementes férteis (como é o caso dos transgênicos). Salvar suas próprias sementes, nessa lógica, é um ato subversivo.
No contexto em que algumas pessoas têm se voltado para as coisas essenciais, a alimentação e o cultivo têm ganhado proeminência e os movimentos de hortas urbanas também têm crescido. O Sementeria oferece um jeito de encontrar pessoas que se interessam por cultivo, e facilitar essas trocas de espécies diferentes. Parece um ótimo jeito de semear encontros.

Minha experiência no Sementeria
Estou testando a ferramenta desde o seu lançamento. Cadastrei 4 sementes que eu tinha disponível: coentro comum, endro (ou dill), milho preto de pipoca colonial, e tagetes. Coloquei inicialmente como doação, pois no momento tenho mais semente que espaço pra plantar. Logo nas primeiras horas recebi pedidos. O grande problema é que foram muitos pedidos (3 no primeiro dia, outros 5 ou 6 no segundo) e em todos eles as pessoas não me mandavam nem ao menos mensagens… Chegava apenas a mensagem padrão. Achei isso um pouco chato. Fiquei com o pé atrás, mas a sensação era de que as pessoas não sabem muito bem lidar com aquilo que é dado de graça. A facilidade do site também ajudava. Bastava clicar no botão “eu quero” que o pedido chegava no meu email. Resolvi esse problema disponibilizando as sementes como troca. Geralmente nesses casos, as pessoas acabavam me escrevendo algo, e o número de pedidos diminuiu drasticamente. Do meu ponto de vista, essa relação pode ser melhorada pela mediação do Sementeria, e eu suponho que seja alguma das propostas de modificação que a Rosana nos contou. De toda forma, enviei alguns envelopes com sementes, e também recebi algumas. Minhas escolhas foram todas de espécies mais raras: recebi feijão lab lab (PANC), manjericão tailandês (que tem gosto de anis), e almeirão roxo (também considerada PANC). Duas delas vou deixar para semear na próxima primavera, e uma já semeei na última semana. O site, no entanto, tem semente para todos os gostos, como ervas, hortaliças, e flores — (incluindo sementes comuns que se compram em pacotinhos) e sementes de árvores frutíferas — que são chamados de pés-francos, e em geral, não costumam ser boas escolhas para se plantar. Pés-francos podem não produzir, e quando produzem demoram mais de 10 anos para começar. O que quero dizer é que, embora eu ache que o site é uma boa para quem está começando a se aventurar na jardinagem e cultivo de alimentos em pequena escala, entender um pouco de cultivo também torna as interações mais efetivas: você vai oferecer sementes melhores, e pedir sementes com mais possibilidades de dar certo.
De toda forma, gosto muito da possibilidade de doar excedentes de sementes, e também de encontrar sementes raras. Como efeito colateral, o Sementeria também me motivou a manter minha caixa de sementes mais organizada para poder fazer futuras trocas. Vale a pena experimentar.
É escritora, cozinheira de ideias e naturalista amadora. Desde 2016 mantém o OutraCozinha, projeto em que investiga o que o comer diz sobre nós.