Trabalho inútil

Tirei a tarde pra fazer reparos nas roupas de cama. Remendos, cerzidos, costuras a mão. O tipo da coisa que ninguém mais faz hoje em dia. Tomei a decisão de fazer isso hoje porque ontem uma fronha que tinha um rasguinho acabou cedendo e rasgando de cima a baixo. Não via como consertar. Fiquei triste, pesarosa pela perda da fronha. Queria evitar perder qualquer outra coisa. Gustavo ponderou se não deveríamos arrumar um jogo de cama novo. Não respondi nada.

Peguei um cestinho improvisado de costuras, e todas as roupas de cama que estavam no cesto de roupa suja. Eram uns 3 jogos. Pilhas de jogos sem lavar. No inverno só faz chover e esfriar e está impossível secar qualquer coisa. Mas até que foi providencial: é mais fácil reparar com as roupas sujas, pra não ter de dobrar de novo.

A primeira fronha que fui reparar tinha um rasgo de bom tamanho, e resolvi fazer com cuidado. Peguei um livro que tenho guardado, que foi da minha mãe e o encontrei por acaso nas coisas do meu pai quando ele morreu. Guardei, pensando ter sido da mãe dele. E só fui saber que era da minha quando um dia falei qualquer coisa dele por telefone com ela.

Apesar do livro ter pertencido a apenas uma geração antes da minha, eu não cresci aprendendo a reparar nada, e não sei fazer reparos bem feitos. Abri e fui tentando entender o que eu deveria avaliar, e que tipo de pontos a mão iam garantir um resultado melhor.

Enquanto fazia os reparos — eram muitos pequenos furos, e alguns rasgos que os gatos acabaram fazendo — pensei num interlocutor imaginário que me dizia o quanto era inútil o que eu estava fazendo. Obviamente era mais simples ir até qualquer loja e comprar um jogo de cama novo.

Da cadeira de balanço, estendi os olhos pra mesa de apoio na cozinha. Um pacote grande de amendoim nas cascas. Era outra tarefa pro dia, que estava adiando a semana inteira. Quando abro cascas de amendoim é chato, mas também tem sempre alguma pequena alegria. O gato Croquete fica animado com o barulho do pacote e dos amendoins chacoalhando nas cascas. Costuma subir no meu colo tentando colocar a pata no pacote e pegar alguma casca. Quando finalmente consegue, persegue o amendoim pela casa como se fosse um outro bicho. Eventualmente ele se cansa, ou o amendoim se perde, e ele volta pro colo; depois tenta pegar outra casca e a brincadeira recomeça.

Meus dedos vão ficando cansados, meio doloridos, meio sujos de terra. Abrir muitas cascas de amendoim exige um pouco de esforço. Nas noites mais quentes acho um pouco mais fácil: deito na varanda na rede, aproveito a brisa, o céu que as vezes tem estrelas, os vasos de plantas e perco meu tempo abrindo casquinhas e brincando com o croquete. É uma coisa quase meditativa de ir se concentrar em abrir as cascas e não errar as vasilhas que separam as cascas e os amendoins. Se seu pensamento voa, os amendoins somem na montanha de cascas. E pensar que tanta gente tem aplicativo em smartphone pra meditar.

Quando termina, não termina: é hora de torrar o amendoim. Forno ligado bem baixo, vigia constante. Qualquer minuto a mais e o amendoim passa do ponto. Abro várias vezes o forno, pego um, enfio na boca: ainda não. O cheiro invade a casa. Amendoim torrado, um cheiro meio terroso, parecido também com lenha. O ponto exato eu só sei provando. Confio mais em mim que no relógio. Como ainda quente, vários, não porque eu mereço depois de tanto trabalho, mas porque estão irresistíveis. Não se parecem em nada com os do supermercado, mesmo quando frios. Enquanto como os amendoins recém saídos do forno, penso em falar pro meu interlocutor imaginário o quanto era inútil o que o supermercado estava fazendo. Obviamente era mais negócio tirar as cascas, meditar, sentir a brisa, brincar com o croquete, e comer amendoim recém-torrado ainda quente.

Acho que, pelo menos por agora, eu não preciso de roupas de cama novas.