Manjar de tapioca e coco com calda de fruta

Na edição O especial de cada lugar da minha newsletter, andei escrevendo sobre um estranhamento que me causam livros de receitas que se proponham a apresentar as comidas de um lugar cujos ingredientes são tão mundializados que são reproduzíveis como se fossem de lugar nenhum. Mas também tentei demonstrar que falar de comidas regionais não quer dizer falar de ingredientes raros, como as vezes a gente imagina que seja o oposto desse globalismo.

Esta receita de manjar de tapioca ilustra bem essa questão. É uma receita que estou reproduzindo do livro Flora Comestível do Brasil, da Rita Taraborelli. Ele é um livro independente em que ela propõe pratos que incluam plantas autóctones – uma palavra solene pra se referir aos ingredientes que são originários de um determinado lugar. É o exato oposto do globalismo que a gente aprendeu a encontrar na maioria dos livros de receita, e fiquei bem encantada com toda a proposta e o capricho da edição, das ilustrações e das receitas em si.

Capa do livro Flora Comestível do Brasil, da Rita Taraborelli

A base dessa receita é a tapioca granulada. Diferentemente da goma de tapioca com que se faz beiju na frigideira – que pode ser feita em casa facilmente usando a fécula ou polvilho – a tapioca granulada é a fécula depois de passar pelo processo de gelatinificação e secagem. Isso faz com que ela fique com grãos pequenos e bem durinhos, que ao serem submetidos novamente à umidade, retornam a esse estado gelatinoso – eles vão inchando e viram uma espécie de grude. Esse processo é o mesmo com que se faz o sagu, que de diferente só tem o tamanho das bolinhas. A tapioca granulada é essa miudinha da foto.

O tamanho pequeno dos grãos da tapioca granulada

Aliás, outra coisa que une a tapioca granulada e o sagu é que sobremesas feitas com esses ingrediente já foram muito populares décadas atrás, mas caíram em desuso – foram sendo vistas como demodês, e silenciosamente substituídas por outras que pareciam mais cosmopolitas, com essa cara de ser de todo lugar (e por isso também de lugar nenhum) que eu mencionei quando falei dos livros de receita.

Por não serem mais tão populares, em muitos lugares hoje não é tão simples achar a tapioca granulada. As vezes é preciso ir a um comércio específico onde ela ainda é encontrada, mas ela está longe de ser um item raro. Muitas vezes também a gente não parou pra prestar atenção nesse ingrediente, seja por falta de repertório, porque ninguém está falando dele, ou porque a gente nem sabe bem pra que ele serve. Por isso também é importante voltar a falar dessas nossas receitas.

A receita e algumas adaptações locais possíveis

Esse manjar se parece muito com uma versão do que em alguns lugares é chamado de cuscuz de tapioca, mas além de levar uma quantidade mais generosa de coco e ser vegana, a calda de geleia de frutas é o ponto alto, que fecha o contraste perfeito do doce com o azedo.

A versão do livro da Rita Taraborelli usa uma caldinha de uvaia, fruta da mata atlântica que costuma ser coisa de quintal, e não é muito comumente comercializada. Mas não se deixe intimidar por isso. Na minha versão escolhi fazer a calda com cagaita – outra fruta também sazonal, do cerrado e que tem várias semelhanças com a uvaia, mas que também pode não estar disponível pra você. Mas dá pra ampliar muito a possibilidade de frutas, e dá pra produzir a calda a partir de geleia pra contornar a sazonalidade.

Escolha uma que já tenha naturalmente o sabor azedo. Se você quiser uma sugestão de fruta facilmente comercializada, pode tentar o abacaxi, numa combinação com coco que é tropical e clássica, maracujá (que tal experimentar uma geleia de maracujá da caatinga?) ou quem sabe o damasco – a geleia de cagaita, inclusive, pra mim é uma versão melhorada dela.

Por fim, a receita também sugere aromatizar com sementes de amburana, uma especiaria da caatinga que tem um aroma muito parecido com o cumaru, outra especiaria, mas amazônica. Geralmente usada como medicinal, é possível encontrar as sementes de amburana mais facilmente em casas de ervas ou com raizeras em feiras, e merece um post a parte que eu adoraria escrever. Pode ser infusionada ou ralada, e acrescenta aroma e complexidade de sabor pra receita, mas não é indispensável.

Mas vamos então ver como é que se faz:

Manjar de tapioca com coco e calda de cagaita

Manjar de tapioca e coco com calda de geleia de frutas

Manjar
1 xícara de tapioca granulada
3 xícara de coco fresco ralado
1 litro de leite de coco (caseiro ou em pó)
3/4 de xícara de açúcar
5 sementes de amburana (opcional)
1 pitada de sal

Calda
150g de geleia de frutas – Usei geleia de cagaita
ou
400g de fruta fresca
150g de açúcar
1/2 xíc de água
1 limão

  1. Comece infusionando as sementes de amburana em 1 litro de água. Aqueça o líquido até ferver, desligue e acrescente as sementes. Deixe descansar abafado por 15 a 30 minutos e coe. Use essa água infusionada para fazer o leite de coco caseiro, ou para misturar no leite de coco em pó (não recomendo o uso de leite de coco de vidro ou caixinha pois os espessantes vão comprometer demais o resultado)
  2. Em uma panela, coloque o leite de coco com açúcar e a pitada de sal, mexa até dissolver por completo. Assim que ferver, retire do fogo;
  3. Coloque a tapioca em uma tigela, misture com o coco ralado e, em seguida, verta o leite de coco quente. Mexa bem;
  4. Vá mexendo o preparo até que ele esfrie. Isso vai deixar o manjar mais cremoso e evitar que a tapioca grude. Conforme a tapioca absorve o líquido, o manjar vai tomando forma;
  5. Distribua o preparo em taças e leve à geladeira até o manjar gelar;
  6. Para preparar a calda usando geleia, separe a quantidade apropriada e coloque numa panela. Adicione lentamente água usando um fouet, incorporando a água e reformando até encontrar o ponto do seu agrado. A calda deve ser consideravelmente mais rala que a geleia, pra escorrer sobre o manjar. Para preparar a calda usando fruta fresca, coloque a fruta escolhida com o açúcar em uma panela, adicione o suco de limão e 1/2 xícara de água. Cozinhe por 15 minutos em fogo baixo, para os frutos desmancharem. Se necessário, adicione um pouco mais de água até atingir o ponto do fruto. Com um garfo, retire todas as sementes e descarte-as. Amassebem os frutos com as costas de uma colher e deixe esfriar; processe se desejar uma calda mais fina. Caso encontre a polpa já processada, em vez do fruto inteiro, não é necessário adicionar água;
  7. Deixe para colocar a calda sobre o manjar na hora de servir – especialmente se tiver feito a partir da geleia. Sirva e divirta-se.
Foto da página do livro com a receita do manjar de tapioca com coco e calda de uvaia

Para comprar o livro: use o cupom OUTRACOZINHA pra ter 5% de desconto no site da Rita Taraborelli. Ela tem várias outras obras como essa. É um livro de receitas independente, cuidadoso e bonito, como as coisas que faço por aqui. Recomendo muito!

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