Pense antes de sair plantando

Ainda não consegui identificar todas as árvores que estão plantadas no pomar dessa chácara no sertão de minas em que agora moro, mas já sei qual a árvore que tem o maior número: a jabuticabeira.

Achei uma escolha entranha. Quer dizer, eu consigo imaginar porque decidiram plantar tantas jabuticabeiras. A gente escolhe plantar as coisas, na maioria das vezes, porque a gente aprecia elas. Pode ser gostar da fruta, achar uma determinada planta bonita, gostar do cheiro ou ter boas lembranças. Uma árvore, especialmente, é uma planta com quem a gente pretende ter uma relação longa, de anos, talvez por gerações. Tem que procurar mesmo que seja uma convivência gostosa.

Uma jabuticabeira Observando o que plantar: com pequenas jabuticabas se desenvolvendo

Mas essa é uma escolha estranha porque apesar de não ter nenhum problema em apreciar e ter vontade de ter certas coisas, parece que quem plantou se esqueceu que nem sempre querer é poder (ou dever). Existem coisas que podemos amar mas que se a gente parar pra pensar um pouco no contexto, se dá conta que talvez não seja a melhor escolha.

A Carol Costa do site Minhas Plantas conta num post que ela toda semana recebe uma quantidade de mensagens narrando que é a 5a. (ou 6a, 7a vez…) que tentam cultivar, por exemplo, lavandas, mas elas sempre morrem. As pessoas, aflitas e se culpando, procuram ela como último recurso pra saber o que fazer.

Longe de ficar com a resposta comum – o problema é a falta de “dedo verde” – a Carol nos convida a pensar sobre a adaptabilidade dessas plantas. Talvez elas não sejam tão adequadas assim pra sua casa.

Ela diz: “Quando a gente deixa de impor nossa vontade, a natureza se revela em toda sua generosidade, mostrando mil outras verdinhas para você. Pode ser que seu jardim já esteja até sussurrando alguma plantinha no seu ouvido. Pense antes de sair plantando: o que cresce que nem mato na sua casa? O que vai como chuchu na cerca, mesmo que você não cuide? Esse pode ser o caminho para você e seu cantinho verde fazerem as pazes e começarem de novo, mais fortes”

Um cajueiro produzindo folhas novas

Como qualquer relação que a gente quer que dure, é muito importante a gente prestar atenção em quem são essas plantas que a gente quer por perto.

A jabuticabeira é uma árvore conhecida por beber muita água. Isso é bem fácil de entender quando você descobre que ela é uma planta nativa da Mata atlântica, essa vegetação de floresta tropical que originalmente ocupava praticamente toda a extensão do litoral brasileiro. É portanto uma árvore de um tipo de floresta úmida.

No Paraná, onde eu morava antes, eu estava bem no meio desse bioma. Não existia uma estação seca lá. As chuvas eram bem distribuídas o ano todo, e era raro passar uma semana sequer que não chovesse. Embora essa distribuição de chuvas venha mudando porque as mudanças climáticas já estão aqui, a jabuticabeira era bem feliz lá. Elas produziam duas, até três vezes no ano, sem nem precisar regar.

Em Belo Horizonte, onde eu morei a maior parte da minha vida, as coisas já eram ligeiramente diferentes. Belo Horizonte tem uma parte do ano onde quase não chove – que vai de maio a setembro. Do ladinho, na cidade de Sabará, jabuticabeira é uma coisa tão comum que tem até festival na cidade pra homenagear a fruta. Subir a serra do curral, cartão postal de BH, é encontrar um monte de planta de mata atlântica, como bromélias, variados tipos de pata de vaca ou um punhado de espécies de framboesa do mato; mas também a gente vê aquele monte de arbusto de folha grossa e tronco retorcido que já são bem típicos do Cerrado: muitos tipos de quaresmeiras, a medicinal mamica de porca, ou algumas das muitas variedades conhecidas popularmente como gabirobas. É cheio disso lá. Belo Horizonte e sua zona metropolitana são áreas de transição desses dois biomas.

Uma folha de pata de vaca colhida

Naquele pedaço de Minas Gerais é muito comum que a jabuticabeira, nos quintais e na roça, fique em alguma saída de água: a do tanque ou da pia da cozinha, que nem se ligam à rede de esgoto e sim desaguam no pé da árvore, que é pra estar sempre molhando ela sem esforço. Jabuticabeira que não é irrigada em Belo Horizonte só produz uma vez no ano. Mas se você molha, ela dá duas ou três vezes, como praqueles lados mais úmidos do Paraná.

Mas uma jabuticabeira no sertão do norte mineiro, nesse pedaço de cerratinga, é outra história. Aqui não cai uma gota d’água durante mais de metade do ano, e quando cai nem é tanta água assim. Ela até produz, mas o esforço pra sobreviver e produzir é uma coisa que a gente não deve perder de vista. É preciso muita água, água que não cai naturalmente do céu, e também muito trabalho humano, pra melhorar condições que são totalmente hostis pra árvore que você queria tanto amar.

É difícil as vezes se dar conta dessas dificuldades porque quando a gente vai no supermercado nos acostumamos a ter mais ou menos as mesmas coisas em quase todo lugar. As verduras, os legumes e as frutas são bastante reconhecíveis em qualquer local que a gente esteja. Já os artifícios pra isso ser possível em climas e lugares tão diferentes quase sempre é invisível.

Eu entendo querer ter uma jabuticabeira. Mas eu também sei que tem muitas coisas boas e comestíveis que crescem bem só na caatinga, como umbu, mandacaru ou amburana. Tem coisas que mesmo que não sejam ali daquele ambiente, são de regiões com alguma semelhança. Vão te dar menos trabalho, e podem ser amados e admirados também pela facilidade e exuberância com que elas se desenvolvem: caju, cajá, pequi e siriguela são ótimos exemplos. Não é só uma questão de querer, mas de entender. O que precisa ser feito é observar o entorno, e pensar antes de plantar.

O que plantar: As árvores secas e sem folhas plantadas na beira de um rio

Vale pra jabuticabeira, pras plantinhas que a gente escolhe ter dentro de casa, mas também poderia ser pra muitas outras coisas na nossa vida. A gente as vezes se debate tentando ser jabuticabeira no meio do sertão, achando que o problema é que a gente não é uma jabuticabeira das melhores. Jabuticaba é mesmo muito bom, mas existem tantas outras possibilidades. O que será que cresce que nem mato dentro de você?

Texto originalmente publicado na newsletter em junho de 2022, com o apoio financeiro dos leitores. Considere também ser mecenas do OutraCozinha pra manter um pedacinho da internet independente